Artigo de Pesquisa

Extração de substâncias pécticas do mesocarpo de Passiflora nitida Kunth. Passifloraceae

Extraction of pectic substances from the mesocarp of Passiflora nitida Kunth. Passifloraceae

http://dx.doi.org/10.32712/2446-4775.2020.917

Gomes, Juliane Tavares1*;
Barroso, Adenilson de Sousa2;
Monteiro, Carlos Diego Almeida2;
Mourão, Rosa Helena Veras1.
1Universidade Federal do Oeste do Pará, Laboratório de Bioprospecção e Biologia Experimental. Rua Vera Paz, Salé, CEP 68035-110, Santarém, PA, Brasil.
2Universidade Federal do Oeste do Pará, Instituto de Saúde Coletiva. Rua Vera Paz, (Unidade Tapajós), Salé, CEP 68035-110, Santarém, PA – Brasil.
*Correspondência:
julianetavaresgomes@hotmail.com

Resumo

Passiflora nitida Kunth. (maracujá-do-mato) nativa do Brasil com ocorrências nas regiões norte, nordeste e centro-oeste. O fruto é consumido in natura, sendo pouco explorado quanto as suas propriedades funcionais. O objetivo deste estudo, foi extrair substâncias pécticas do mesocarpo de P. nitida. O mesocarpo foi desidratado, triturado e obtido um pó de fina granulação, caracterizado quanto a granulometria, índice de intumescência, acidez titulável, cinzas e teor de umidade. Para a extração de substâncias pécticas foi utilizado 4 g do pó em meio ácido. As amostras foram separadas em 2 grupos: grupo 1 foi utilizado ácido L-ascórbico P.A. (marca NEON) e no grupo 2, suco de limão da fruta in natura, ambos na concentração de 5% usando a temperatura de 60ºC por 120 minutos e 80ºC por 60 minutos. O rendimento das substâncias pécticas do grupo 1 foi de 12,2 ± 0,3% a 60ºC por 120 minutos e de 12,9 ± 0,2% a 80ºC por 60 minutos. Para o grupo 2 foi de 14,3 ± 0,2% e de 17,9 ± 0,3%, respectivamente. O mesocarpo de P. nitida poderá ser uma fonte para obtenção de substâncias pécticas.

Palavras-chave:
Maracujá-do-mato.
Pectina.
Subprodutos.
Amazônia.

Abstract

Passiflora nitida Kunth. (maracujá-do-mato) native to Brazil with occurrences in the north, northeast and midwest regions. The fruit is consumed in natura, being little explored as to its functional properties. The aim of this study was to extract pectic substances from the P. nitida mesocarp. The mesocarp was dehydrated, crushed and a fine-grained powder was obtained, characterized in terms of granulometry, swelling index, titratable acidity, ash and moisture content. For the extraction of pectic substances, 4 g of the powder was used in an acid medium. The samples were separated into 2 groups: group 1 was used L-Ascorbic Acid P.A. (brand NEON) and in group 2, fresh fruit lemon juice, both at a concentration of 5% using a temperature of 60ºC for 120 minutes and 80ºC for 60 minutes. The yield of pectic substances in group 1 was 12,2 ± 0,3% at 60ºC for 120 minutes and 12,9 ± 0,2% at 80ºC for 60 minutes. For group 2 it was 14,3 ± 0,2% and 17,9 ± 0,3%, respectively. The P. nitida mesocarp may be a source for obtaining pectic substances.

Keywords:
Maracujá-do-mato.
Pectin.
Byproduct.
Amazon.

Introdução

As substâncias pécticas constituem uma família de oligossacarídeos e polissacarídeos, presentes nas paredes celulares das plantas contribuindo na integridade e rigidez do tecido, sendo abundante em muitas frutas[1-4]. São polímeros heterogêneos de estrutura complexa constituída de uma cadeia principal linear de unidades repetidas de α-D-ácido galacturônico, esterificada com grupos metílicos, formando o ácido poligalacturônico ou grupos livres de ácidos[4-7].

Polímeros amplamente utilizados como agente gelificante, emulsificante e estabilizante nas indústrias alimentícias (na produção de goma, geleias, produtos lácteos, entre outros)[8,9] e com aplicações crescentes na indústria farmacêutica (como fibras dietéticas solúveis com efeitos benéficos na redução dos níveis de colesterol, lipoproteínas e ácidos biliares)[10,11]. As substâncias pécticas podem estar presentes na formulação de medicamentos associadas a polímeros naturais ou sintéticos, como material de revestimento de formas farmacêuticas e em sistemas terapêuticos específicos, naturais ou como compostos derivados, facilitando a liberação de fármacos devido à sua baixa toxicidade, baixo custo e alta estabilidade[12,13].

A exploração de resíduos como matérias-primas estabelece uma das etapas essenciais no processo industrial, evidenciando crescente preocupação com esses materiais, tanto do ponto de vista industrial quanto ambiental[14]. Com isso, reduzir os desperdícios de alimentos através do reaproveitamento de matérias-primas tornou-se uma alternativa que tem sido usada no desenvolvimento de novos produtos, mostrando-se uma proposta concreta e rentável, visto que esses resíduos representam relevantes fontes de materiais considerados importantes na produção industrial, como é o caso da pectina[15].

Existem estudos sobre extração de substâncias pécticas de diferentes fontes, ressaltando o aproveitamento de subprodutos na produção de compostos industrialmente relevantes e perfeitamente passiveis de serem incluídos na alimentação humana[15]. A maior parte das substâncias pécticas utilizadas pela indústria são originadas de subprodutos como bagaço da maçã e casca de frutas cítricas que são consideradas ricas em pectina[16,17]; outras matérias primas como bagaço da laranja[18], miolo do girassol[19], casca da manga[20], casca da banana[21], goiaba[22] e casca de maracujá[14,23-26] vem sendo estudadas como fontes alternativas para a extração dessas substâncias.

Entre os frutos encontrados na amazônica, destaca-se o Passiflora nitida Kunth., Passifloraceae, conhecida popularmente como maracujá-do-mato, maracujá-suspiro, maracujá-de-cheiro e maracujá-de-rato[27-29]. A espécie é encontrada dispersa por todo norte da América do Sul[30]. O fruto silvestre é apreciado pela população do norte do Brasil com boa aceitabilidade para consumo in natura, devido ao seu sabor doce[29,31], não havendo registro de outras formas de consumo (sucos, geleias, cremes, entre outros). Pesquisas sobre a espécie demonstram atividades antimicrobiana[32], antioxidante, anticoagulante e antiagregante plaquetária do extrato das folhas[30] ou efeito hipoglicemiante da farinha do mesocarpo desidratado[33].

Existem poucas pesquisas a respeito do fruto P. nitida e nenhuma informação sobre a utilização do mesocarpo para extração de substâncias pécticas. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi extrair substâncias pécticas da farinha do mesocarpo de P. nitida como forma de agregar valor ao fruto e apresentar uma alternativa de aproveitamento do mesocarpo, o qual teria como destino o descarte.

Material e Métodos

Coleta dos frutos

Os frutos de P. nitida (FIGURA 1)foram obtidos comercialmente em feiras livres do município de Santarém-Pará. Os frutos foram higienizados, separadas as suas partes, sendo mensurado o rendimento levando em consideração as seguintes partes dos frutos separadamente: polpa, mesocarpo e casca. A exsicata da espécie foi coletada pela Msc Chienno Shuemitsu e encontra-se depositada no herbário da Universidade Federal do Oeste do Pará sob o número HSTM 471.

O mesocarpo utilizado para extração de substâncias pécticas foi seco em estufa a 45ºC durante 24 horas e, posteriormente, triturado com auxílio do moinho para obtenção de um pó de fina granulação. O pó (farinha) foi armazenado em embalagem de vidro hermeticamente fechado e estocado ao abrigo de luz e umidade para posteriormente ser utilizado como matéria-prima para extração de substâncias pécticas .

FIGURA 1:Fruto de Passiflora nitida (maracujá-do-mato).
Figura 1

Caracterização físico-química da farinha (pó) do mesocarpo de P. nitida

O fluxograma (FIGURA 2) resume as etapas de caracterização da farinha e extração de substâncias pécticas de P. nitida. Os experimentos foram realizados em triplicata.

FIGURA 2: Obtenção e caracterização da farinha de P. nitida.
Figura 2

Determinação granulométrica

A análise granulométrica da farinha do mesocarpo de P. nitida foi realizada de acordo com metodologia descrita na Farmacopeia[34], com adaptações. Foram utilizados 5 g da farinha, dividida em tamises de aberturas nominais de 250,180, 125 e 75 μm de diâmetro, com vibração 7 por um período de 15 minutos.

As amostras retidas nas malhas dos tamises foram pesadas com o auxílio de uma balança analítica de precisão, e em seguida, foi realizada a determinação do tamanho das partículas e do percentual de pó retido nos tamises de acordo com a equação abaixo:

		  	% Retida pelo tamis = 
P1
P2
.100

Onde, P1 é o peso da amostra retida em cada tamis (em gramas); P2 é a soma dos pesos retidos em cada tamis e no coletor (em gramas) e 100 é fator de porcentagem.

Determinação do índice de intumescência

A determinação do índice de intumescência foi realizada segundo metodologia descrita na Farmacopeia[34].  Foi utilizado 1 g de farinha em provetas de 25 mL, com adição de água ultrapura mantidos sob agitação a cada 10 minutos por uma hora. As amostras foram deixadas em repouso por 3 horas à temperatura ambiente. Posteriormente, foram verificados os volumes finais ocupados pelas amostras, onde o Índice de intumescência (Ii) foi calculado em mililitros, pela média de 3 determinações segundo a equação abaixo:

		  	Ii = Vf-Vi
		  

Onde, Vf corresponde ao volume final ocupado pela amostra (mL); Vi é o volume inicial ocupado pela amostra (mL).

Determinação de acidez titulável

A determinação da acidez titulável foi realizada segundo metodologia descrita pelo Instituto Adolf Lutz[35]. A acidez foi obtida por titulometria com solução padronizada de hidróxido de sódio a 0,1 N, possuindo como indicador a fenolftaleína. Os valores foram expressos em porcentagem de acordo com a equação abaixo:

		  	
V x F x 10
P

Onde, V é número de mL da solução de hidróxido de sódio 0,1 N gasto na titulação; F é fator de correção da solução de hidróxido de sódio 0,1 N; P é número de g da amostra.

Determinação de umidade

Para a determinação de umidade da farinha foi realizado o método gravimétrico descrito na Farmacopeia Brasileira[34]. Os cadinhos foram previamente dessecados a 105ºC durante 1 hora. Em seguida, os cadinhos foram resfriados em dessecador por 30 minutos e pesados. Posteriormente, foi pesado 2 g da farinha e levado à estufa a 105ºC, após 2 horas sendo monitorados até peso constante. O percentual da perda por dessecação foi calculado pela equação abaixo:

		  	% Umidade = 
Pu - Ps
Pa
x 100

Onde, Pa corresponde ao peso da amostra; Pu é o peso do cadinho contendo a amostra antes da dessecação; Ps é peso do cadinho contendo a amostra após a dessecação.

Determinação de cinzas totais da farinha

A análise de cinzas totais da farinha foi realizada conforme descrição na Farmacopeia[34].  Foram pesadas 3 g da farinha e em seguida transferidos para cadinhos de porcelana previamente calcinados, arrefecidos e pesados. As amostras foram uniformemente distribuídas e incineradas em mufla, aumentando gradativamente (30 minutos a 200ºC, 60 minutos a 400ºC e 90 minutos a 600ºC), até 600 ± 25 ºC durante 3 horas. Os cadinhos foram resfriados em dessecador e pesados em seguida. A porcentagem de cinzas foi calculada em relação à farinha seca ao ar, segundo a equação abaixo:

		  	% Cinzas totais = 
(P1 - P3)
P2
x 100

Onde, P1 corresponde ao peso do cadinho contendo a amostra antes da calcinação; P3 é peso do cadinho contendo a amostra após a calcinação; P2 é o peso da amostra inicial; 100 é fator de porcentagem.

Extração de substâncias pécticas

As substâncias pécticas da farinha do mesocarpo de P. nitida foram extraídas de acordo com metodologia descrita por Munhoz et al.[36], com adaptações. Amostras da farinha (4 g) foram dissolvidas em 200 mL de água destilada. As amostras foram separadas em 2 grupos: grupo 1 foi utilizado ácido L-ascórbico P.A. (marca NEON) a 5% e no grupo 2, suco de limão da fruta in natura a 5%, ambos usando a temperatura de 60ºC por 120 minutos e 80ºC por 60 minutos. Após extração ácida, as amostras foram resfriadas a 4 ºC por uma hora, filtradas em tecido poliéster, com descarte da parte sólida. Ao filtrado foi adicionado álcool etílico (92%) na proporção 1:2 (v/v). Após uma hora, houve a precipitação das substâncias pécticas, separadas por filtração, em seguida levadas para estufa a 55ºC até peso constante. O rendimento de substâncias pécticas foi determinado de acordo com a equação abaixo:

		  	Rendimento = 
Substâncias pécticas extraidas x 100
Massa farinha (seca)

Análise Estatística

Os dados foram submetidos à análise de variância (ANOVA) utilizando o programa Past (versão 3.26).

Resultados e Discussão

Caracterização físico-química da farinha de mesocarpo de P. nitida

Como pode ser observado na (TABELA 1) o epicarpo e mesocarpo obtidos de P. nitida representam mais de 50% do peso total do fruto. Este é um fruto comercializado e consumido na sua forma in natura, resultando no desperdício da casca e mesocarpo. O Brasil apresenta uma expressiva demanda de cultivo e processamento de frutos, sendo caracterizado como um dos países latinos mais predispostos ao desperdício[15]. Como resultado da alta demanda na produção surge problemas de geração de resíduos e sua destinação inadequada, apontando a importância do incentivo no desenvolvimento de pesquisas, que identifiquem soluções viáveis para o reaproveitamento desses resíduos como matéria prima para o desenvolvimento de subprodutos[15].

TABELA 1: Partes do fruto P. nitida.
Passiflora nitida Componente (%)
Epicarpo 21,8
Mesocarpo 31,7
Polpa (com sementes) 46,5

Na TABELA 2 estão os dados da caracterização físico-química da farinha obtida do mesocarpo. A farinha produzida do mesocarpo de P. nitida foi classificada como pó semifino, definido como aquele cujas partículas passam no máximo 40% pelo tamis com abertura nominal de malha de 180 µm[34]. A granulometria refere-se ao grau de divisão de pós-expresso em relação à abertura nominal da malha dos tamises utilizados[34].  Esta constitui um aspecto de qualidade importante na padronização de farinhas, a uniformidade o tamanho dos grânulos influência na capacidade de absorção de solventes, na dispersibilidade das partículas e no tempo de extração das substâncias pécticas, interferindo diretamente no rendimento final do produto[38,39].

O índice de intumescência da farinha do mesocarpo de P. nitida foi de 2,6 mL ± 0,5. Este parâmetro é definido como a medida de volume ocupado pelo intumescimento de 1 g da farinha devido à adição de água como agente intumescente[32]. O índice de intumescência pode indicar a presença de substâncias pécticas que possuem propriedades de absorção de água. Quando em contato com o solvente resultam no aumento de volume do material que as contenha, tratando-se de um parâmetro importante em processos extrativos, auxiliando na determinação do volume de água a ser adicionado durante a extração de substâncias pécticas[40].

Como pode ser observado na TABELA 2, o índice de acidez da farinha do mesocarpo de P. nitida foi de 3,5 ± 0,1 com pH de 4,1. Marchi et al. [41], obtiveram valores de acidez titulável para cascas de P. edulis (maracujá amarelo) que variaram de 3,91 - 4,68%. A acidez constitui um parâmetro importante na conservação visto que a acidificação desempenha uma função inibidora no crescimento microbiano[42].

O valor obtido quanto a umidade da farinha de P. nitida adequa-se ao estabelecido pela Agência Nacional de Vigilância (ANVISA) que estipula o máximo de 15% para umidade de farinhas vegetais[43]. É importante salientar, que a presença de quantidade excessiva de água em farinhas poderá propiciar o desenvolvimento de microrganismos, insetos, a hidrólise e a atividade enzimática com consequente deterioração dos constituintes da amostra analisada[44]. O processo de secagem foi realizado até peso constante em temperatura de 105ºC, com obtenção de uma farinha estável.

O teor cinza para a farinha do mesocarpo de P. nitida foi de 3,3% ± 0,3. Resultados semelhantes foram obtidos no estudo realizado com o mesocarpo in natura de P. nítida de 3,1% [33]. As cinzas indicam substâncias inorgânicas não voláteis que poderiam estar presentes como constituintes ou contaminantes da amostra[45]. É importante salientar que no preparo da farinha foram obedecidas as boas práticas de produção.

TABELA 2: Características físico-químicas da farinha do mesocarpo de P. nitida.
Características Farinha
Granulometria (%) Semifino (32,02 ± 0,1)
Índice de intumescência (mL) 2,6 ± 0,5
Acidez total titulável (%) 3,5 ± 0,1
pH 4,1
Umidade (%) 10,8 ± 0,1
Cinzas (%) 3,3 ± 0,3

Os resultados obtidos neste estudo podem ser apresentados como características de qualidade de uma farinha do mesocarpo de P. nitida, uma vez que, não há parâmetros descritos para esta matéria prima vegetal.

Extração de substâncias pécticas

Na TABELA 3 estão os dados de rendimento de substâncias pécticas obtidos da farinha do mesocarpo de P. nitida por extração ácida. Como pode ser observado, embora o suco de limão obtido do fruto in natura tenha apresentado maior teor de substâncias pécticas em comparação ao ácido L-ascórbico, torna-se necessário a padronização do suco para sua possível aplicabilidade no processo industrial, uma vez que, dependendo da variedade do limão os índices de acidez e brix poderão variar. No entanto, essa alternativa não deve ser descartada, sendo que, este é de fácil aquisição e poderá diminuir os custos da produção após a sua padronização.

Vale destacar que estes dados são preliminares, devido não ter sido realizada a avaliação do grau de metoxilação (DM) das substâncias encontradas. Este parâmetro determina a proporção de grupos carboxílicos que estão presentes na forma esterificada, possibilitando mensurar o grau e velocidade de gelificação das substâncias pécticas. Porém, por meio da análise em álcool a 96 ºGL, foi observado que as substâncias pécticas extraídas tanto usando suco de limão in natura, quanto ácido L-ascórbico, apresentaram uma gelificação rápida e firme, o que indica substâncias pécticas com alto grau de metoxilação. Substâncias pécticas com DM maior que 60% de esterificação, apresentam maior rapidez na gelificação sob temperaturas mais altas[46].

A busca de um método adequado para extração de substâncias pécticas é importante na otimização de métodos para sua obtenção, com intuito de minimizar a degradação da molécula, maximizar o rendimento da extração e manter a qualidade do produto. Segundo Pagan et al.[47] e Oliveira[14], tempos relativamente longos podem interferir no processo de extração com a degradação das substâncias pécticas com alterações indesejáveis nas suas propriedades físico-químicas e tecnológicas e, consequentemente, a diminuição da quantidade a ser precipitada com o álcool, devido a construção de um gel fraco, o que ocasiona redução no rendimento final.

As substâncias pécticas são geralmente extraídas em pH variando de 1 a 3 e em temperaturas de 80ºC a 100ºC[47]. Alguns autores como Mesbahi, et al.[48] relataram que temperaturas acima de 90ºC podem provocar a hidrólise e degradação das substâncias pécticas, resultando em uma molécula de baixa massa molar.

Para a extração de substâncias pécticas é necessário abordar processos que não geram resíduos poluentes, apresentam bons rendimentos de extração e não alteram a estrutura química do produto final. Normalmente as substâncias pécticas são obtidas na extração com diversos ácidos fortes (tartárico[49], nítrico[6], clorídrico[48], entre outros) apresentando desvantagens por gerarem resíduos tóxicos. Estudos têm apresentado o ácido cítrico como alternativa na extração de substâncias pécticas, como forma de minimizar a geração de resíduos poluentes e melhorar a qualidade[23,49].

Com relação a escolha da concentração de ácido utilizado nas extrações de substâncias pécticas, estudos demonstram que substâncias pécticas extraídas com frações maiores de ácido, podem acarretar ligação do ácido cítrico a estrutura péctica, consequentemente na formação de outros compostos, ou ainda, podem favorecer a degradação das moléculas[16,47,50]. No estudo com goiaba desidratada, Munhoz et al.[22] utilizaram concentrações de ácido cítrico que variavam entre 5 - 7%, apresentando melhores rendimentos de pectina nas extrações a 5% de ácido cítrico durante o período de 60 minutos.

TABELA 3: Rendimento da extração de pectina a partir da farinha do mesocarpo de P. nitida em funçãoda concentração de ácido cítrico, pH, temperatura e tempo de extração.
Rendimento Médio da Pectina (temperatura/tempo)
Tratamento pH 60ºC/120 min (%) 80ºC/60 min (%)
Ácido L-ascórbico 2,6 12,2 ± 0,3 12,9 ± 0,3
Suco de Limão in natura 2,1 14,3 ± 0,2 17,9 ± 0,3

O rendimento de substâncias pécticas extraída do mesocarpo de P.nitida apresentou valor dentro da faixa de subprodutos utilizados nas agroindústrias ricas nessas substâncias com teor superior a 15% em base seca[8]. Em estudo de Pinheiro[23] com pectina extraída da casca de P. edulis a 0,086% de ácido cítrico e tempo de extração 60 minutos a 97ºC, obtendo rendimento de 27,4%. Canteri-Schemin et al.[49] extraíram e caracterizaram pectina de bagaço de maçã definindo o melhor rendimento de17,82%, obtido com ácido cítrico a 6,2% a 100ºC por 153 minutos. Munhoz[36] realizou a extração de pectina da farinha da polpa e da polpa com casca de goiaba (Psidium guajava L.), com concentrações de ácido cítrico de 5% a 7%, a 97ºC durante 25 a 60 minutos, com rendimentos que variaram de 7,31% a 13,66%.

Apesar dos resultados obtidos neste estudo apresentarem semelhanças com os encontrados na literatura, é necessário a realização de análises cromatográficas para garantir que os teores de substâncias pécticas não correspondam a mucilagens, hemicelulose ou outros compostos.

Conclusão

O mesocarpo de P. nitida poderá ser uma fonte para obtenção de substâncias pécticas, visto, ser um produto de descarte no consumo do fruto in natura. Como o cultivo na região amazônica está crescendo, futuramente sua polpa poderá ser amplamente consumida, gerando assim descartes que poderão ser aproveitados na produção de pectinas e seus subprodutos. Os resultados são promissores o que estimula a continuidade dos estudos no sentido de caracterização das substâncias pécticas e sua possível aplicabilidade nos diferentes segmentos das indústrias.

Agradecimentos

À Faculdade e ao Curso de Odontologia do Centro Universitário de Volta Redonda- UniFOA, pela colaboração e parceria com seus egressos, além de darem oportunidade, estrutura e suporte necessários para a realização de pesquisas e trabalhos como o realizado acima. Aos professores que disponibilizaram tempo e conhecimento para obtermos dados satisfatórios e que desde o início se fizeram presentes, dando o melhor de si para nos ajudar. Aos funcionários que participaram da pesquisa colaborando com disposição para obtenção dos resultados.

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