Artigo de pesquisa

Utilização de agrotóxicos e desenvolvimento rural sustentável no oeste do Paraná: alternativas, perspectivas e desafios

Pesticide use and sustainable rural development in western Paraná: alternatives, perspectives and challenges

http://dx.doi.org/10.32712/2446-4775.2020.986

Daniel, Daniela Silveira1*;
Oliveira, Philipi de1;
Lopes, Joice Catiane Fritzsh1;
Mattia, Vinícius1;
Signor, Altevir2.
1Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE, campus de Marechal Cândido Rondon-PR, Rua Pernambuco, 1777, Centro, CEP 85960-000, Marechal Cândido Rondon, PR, Brasil.
2Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE, campus de Toledo, Rua da Faculdade, 645, Jardim Santa Maria, CEP 85903-000, Toledo, PR, Brasil.
*Correspondência:
danny_sylveira@hotmail.com

Resumo

O Desenvolvimento Rural Sustentável – DRS é um tema amplamente discutido na atualidade, notadamente na região Oeste do Paraná, tendo em vista que se trata de uma região essencialmente agrícola e com grandes propriedades de terras. Um dos grandes paradoxos nesse assunto é a utilização indiscriminada de agrotóxicos na produção agrícola face aos riscos, investimentos e expectativas depositadas pelos produtores, sem esquecer a qualidade do alimento produzido. Diante dessa dicotomia, o presente estudo busca relatar através da revisão bibliográfica sobre o uso de agrotóxicos nos sistemas de produção, o DRS e a produção orgânica e agroecológica como alternativas a este sistema e ainda analisar alguns desafios e perspectivas para a transição no Oeste do Paraná. A metodologia consistiu em pesquisa bibliográfica e documental, a fim de constatar qual a situação atual da produção agrícola, quais as medidas que podem auxiliar na transição e as dificuldades enfrentadas. Com a pesquisa, foram constatados índices preocupantes da quantidade de agrotóxico utilizada no Oeste do Paraná e, mais preocupante, a constatação de que tais substâncias estão residualmente nos alimentos produzidos. Por outro lado, a produção orgânica e agroecológica, oriundas, principalmente, da agricultura familiar, surgem como uma possível solução, mas com inúmeros desafios a enfrentar.

Palavras-chave:
Agroecologia.
Agricultura orgânica.
Agricultura familiar.

Abstract

Sustainable Rural Development - DRS is a topic widely discussed today, notably in the western region of Paraná, considering that it is an essentially agricultural region with large land properties. One of the great paradoxes in this matter is the indiscriminate use of pesticides in agricultural production in view of the risks, investments and expectations placed by producers, without forgetting the quality of the food produced. Given this dichotomy, the present study seeks to report through the bibliographic review on the use of pesticides in production systems, the DRS and organic production and agroecology as alternatives to this system and still analyze some challenges and perspectives for the transition in the West of Paraná. The methodology consists of bibliographical and documentary research, in order to verify the current situation of agricultural production, which measures can help in the transition and the difficulties faced. With the research, we found worrying rates of the amount of pesticides used in Western Paraná and, more worrying, the finding that these substances are in the food produced. On the other hand, organic and agroecological production, originating mainly from family farming, appears as a possible solution, but with countless challenges to face.

Keywords:
Agroecology.
Organic agriculture.
Family farming.

Introdução

A agricultura é uma atividade que depende, necessariamente e exclusivamente de recursos naturais e dos processos ecológicos e, na mesma medida, dos desenvolvimentos técnicos humanos e do trabalho [1]. O modelo agrícola convencional, centrado no uso abusivo de recursos naturais e de agroquímicos de síntese, permitiu aumentar a produção e a produtividade de alguns cultivos em certas regiões, mas vem causando forte agressão ao ambiente, sendo insustentável em longo prazo. Ademais, prioriza a produção de commodities e responde mais ao mercado do que às reais necessidades alimentares da população.

O conceito de "desenvolvimento rural" surge a partir dos impactos negativos causados pela agricultura convencional. O Desenvolvimento Rural Sustentável – DRS visa incentivar a utilização adequada do solo e, também, dos demais recursos naturais, que podem ser no âmbito da agropecuária e até mesmo do turismo rural. É totalmente razoável refletir sobre os modelos de desenvolvimento rural que sejam sustentáveis, economicamente viáveis e socialmente aceitáveis. É necessário reafirmar, entretanto, que, para o estabelecimento de agroecossistemas sustentáveis existe a presença de desafios e também suas perspectivas.

É de suma importância, destacar que antes de investir em uma prática agrícola diferente, o produtor rural deve ter conhecimento dos desafios que existem e os que podem surgir no decorrer das atividades dos diferentes agentes da cadeia produtiva dos produtos orgânicos. O objetivo do trabalho foi relatar através de revisão bibliográfica sobre o uso de agrotóxicos no sistema de produção, o DRS, a produção orgânica e a agroecologia como alternativas a este sistema e, ainda, analisar alguns desafios e perspectivas para a transição no Oeste do Paraná.

Perspectivas do uso de agrotóxicos

A utilização de agrotóxicos como meio de ampliação do lucro e diminuição de riscos tornou-se tão comum atualmente a ponto de, para muitos, ser inviável produzir de forma sustentável ou ecologicamente correta. Criou-se para o agricultor um dilema "[...] ou ele aplica o fungicida e vai dormir tranquilo ou fica exposto ao grande risco de perder a lavoura, de alto custo de implantação" [2], demonstrando-se a razão pela qual a escolha dos agrotóxicos é majoritária.

Além da vantagem relacionada ao risco de produção, a utilização do agrotóxico é economicamente lucrativa para os produtores, eis que o Estado fomenta a sua utilização mediante a liberação e isenção fiscal. A título exemplificativo, desde 2004, os adubos, fertilizantes e defensivos são isentos de contribuição para o Programa de Integração Social /Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS [3], bem como há total isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI [4].

O interesse político da classe privilegiada permite a criação de um arcabouço legal protetivo e legitimador da utilização cada vez maior de agrotóxicos no território nacional, afetando todos os Entes da Federação que têm na produção agrícola a fonte mais lucrativa.

Esse cenário gera insustentabilidade, uma vez que é pautado no individualismo, reinando o espírito de competição, no qual os mais fracos (agricultores familiares e agricultores orgânicos) são absorvidos pelos mais poderosos (grandes empresas e grandes produtores), numa busca desenfreada pela acumulação de capital [5].

Considerando que o forte da produção nacional é agrícola, essa insustentabilidade afeta principalmente os estados do Paraná, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Goiás que juntos produzem, aproximadamente, 67% da safra nacional de grãos [6].

No Estado do Paraná, o cenário atual da utilização do agrotóxico é alarmante e induz a uma perspectiva cada vez mais pessimista, já que a média estadual é 12 kg (doze quilogramas) de agrotóxico por hectare ao ano, enquanto a média brasileira de consumo é um terço menor, de 4 kg/ha/ano (quatro quilogramas por hectare ao ano), segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná [7].

Não suficiente, no último ano, a então Governadora do Estado do Paraná, Cida Borghetti, revogou a Resolução n. º 22/85-SEIN, que estabelecia uma distância mínima entre o local de aplicação e áreas de captação de água para abastecimento de populações, núcleos populacionais, escolas, habitações, dentre outros locais, o que acabou por alarmar a situação acima declinada [8].

Reportando ao Oeste do Paraná, a situação dos agrotóxicos permanece preocupante, especialmente pelo fato de a Região de Cascavel ser "campeã" estadual do ranking de utilização, atingindo, assustadores, 23 kg/ha/ano (vinte e três quilogramas por ano) [7].

Segundo dados da Secretaria do Estado da Saúde do Paraná, entre 2014 e 2017, nos Municípios que compõem a 10ª Regional de Saúde (Anahy, Boa Vista da Aparecida, Braganey, Cafelândia, Campo Bonito, Capitão Leônidas Marques, Cascavel, Catanduvas, Céu Azul, Corbélia, Diamante do Sul, Espigão Alto do Iguaçu, Formosa do Oeste, Guaraniaçu, Ibema, Iguatu, Iracema do Oeste, Jesuítas, Lindoeste, Nova Aurora, Quedas do Iguaçú, Santa Lúcia, Santa Tereza do Oeste, Três Barras do Paraná e Vera Cruz do Oeste) e a 20ª (Anahy, Boa Vista da Aparecida, Braganey, Cafelândia, Campo Bonito, Capitão Leônidas Marques, Cascavel, Catanduvas, Céu Azul, Corbélia, Diamante do Sul, Espigão Alto do Iguaçu, Formosa do Oeste, Guaraniaçu, Ibema, Iguatu, Iracema do Oeste, Jesuítas, Lindoeste, Nova Aurora, Quedas do Iguaçú, Santa Lúcia, Santa Tereza do Oeste, Três Barras do Paraná e Vera Cruz do Oeste) foram comercializados 43.124,80 T e 37.581,40 T de agrotóxico, respectivamente [9]. Trata-se de quantidades exorbitantes que estão atreladas, em sua maioria, a grandes propriedades na busca desmesurada pela riqueza em detrimento da qualidade do alimento.

Diante disso, pode-se vislumbrar uma ampliação do consumo de agrotóxicos por grandes produtores, já que dentre as diretrizes elencadas pela Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Estado do Paraná estão o aumento da competitividade da agricultura e a manutenção da capacidade dos solos e água em busca do aumento da produção [10].

Ocorre que para a concretização das referidas diretrizes, segundo a "cultura do agrotóxico" instaurada no Estado do Paraná, com maior incidência na Região Oeste, é necessário superar um desafio hercúleo para os produtores agroecológicos e orgânicos: produzir sem agrotóxico sem perder a competitividade do mercado a ponto de inviabilizar sua produção.

Não se trata apenas do aspecto econômico (viabilidade e quantidade de produção), mas da qualidade dos alimentos produzidos em respeito à saúde de seus consumidores e daqueles que o manejam. Segundo as Diretrizes Nacionais para a Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos, a dose absorvida de agrotóxico é responsável por incorrer, dentre outras, em os distúrbios gastrintestinais, respiratórios, endócrinos, reprodutivos e neurológicos, mortes acidentais e até suicídios [11].

Para ter-se uma ideia, o relatório de satisfação realizado pelo Programa Estadual de Análise de Resíduo de Agrotóxicos em Alimentos – PARA/PR – em 2017, com 468 alimentos, em cinco locais do Paraná (Cascavel, Curitiba, Foz do Iguaçu, Londrina e Maringá) apontou que 88 alimentos apresentaram resultados insatisfatórios, sendo 30 deles na Região Oeste (Cascavel e Foz). O resultado é alarmante, pois representam quase 20%, dentre os quais foram constatados resíduos de agrotóxicos dos ingredientes ativos Ditiocarbamatos, Carbendazin, Tebuconazol, Difenoconazol, Piraclostrobina, Azoxistrobina e Trifloxistrobina (fungicidas), Imidacloprido, Bifentrina e Clorfenapir (inseticidas) [12].

Não obstante, cogita-se a mudança deste cenário através de medidas sustentáveis promissoras desenvolvidas com ênfase no Oeste do Paraná, tais como a produção orgânica e agroecológica. Embora seja latente a utilização exacerbada de agrotóxicos, acima evidenciada, é possível vislumbrar um futuro promissor através da produção consciente e sustentável.

Perspectivas do DRS no âmbito da agricultura orgânica ou de base agroecológica

Quando se trata da região Oeste do Paraná, logo se pensa em uma região essencialmente agrícola. Sobretudo, sua base de formação social e econômica é caracterizada como de agricultura familiar, em que o segmento sócio produtivo vem desempenhando um papel fundamental nas mudanças desse espaço, notadamente desde a instituição das colônias no século XX [13].

Vale destacar que, nos últimos anos, devido à entrada de novas técnicas e modificações tecnológicas, essa região desencadeou mudanças de cunho estrutural na produção agrícola, onde a cadeia produtiva agroindustrial assumiu destaque no cenário nacional [13].

No entanto, de acordo com Alves [14], de maneira geral, o agricultor familiar vem contribuindo há décadas no incremento da economia local e regional, bem como no desenvolvimento econômico e social, além de propiciar a permanência do homem no campo. Sendo assim, em conjuntura com os aspectos relacionados ao meio ambiente, a agricultura familiar tem sido considerada protagonista do Desenvolvimento Rural Sustentável – DRS, especialmente no Oeste Paranaense.

Dentro desse contexto, uma alternativa precursora do DRS, adotada pelos agricultores familiares está voltada a produção orgânica e agroecológica, que será o enfoque desta seção podendo vir a ser uma perspectiva do DRS no Oeste do Paraná.

Geralmente, Agroecologia e Agricultura Orgânica são vistas como sinônimas e apesar de terem suas origens entrelaçadas, não podem ser tratadas igualmente, visto que a primeira é uma ciência e possui limites teóricos bem definidos, já a segunda refere-se a uma prática agrícola expressada diante de um encaminhamento tecnológico e mercadológico, podendo ou não seguir os princípios agroecológicos.

De acordo com Altieri [15], a Agroecologia é considerada uma ciência, a partir da qual existem diferentes metodologias, princípios e conceitos para estudar os agrossistemas a fim de implantar e desenvolver uma agricultura com maior sustentabilidade.

A agroecologia, em sua essência adota como valores básicos o uso mínimo de insumos externos e visa e conservação dos recursos naturais, na busca de agrossistemas mais sustentáveis e, dessa forma, procura-se sempre maximizar a reciclagem de energia e nutrientes, com intuito de reduzir as perdas desses recursos durante a produção [16].

O princípio básico da agricultura orgânica está voltado aos sistemas de produção baseados em um conjunto de procedimentos que envolvam planta, solo e condições climáticas, ou seja, utilizando-se de tecnologias e processos a fim de produzir alimentos que permaneçam com seu sabor original, que atendam as expectativas dos consumidores e que, sobretudo, sejam saudáveis [17]. Vale ressaltar ainda, que, dentre as diferentes correntes de agricultura alternativa ao modo de produção convencional, a agricultura orgânica é considerada a mais difundida [16].

De maneira geral, segundo estatísticas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA [18], o Estado do Paraná possui 8.330 hectares de produção orgânica, dentro desta os produtos mais expressivos são as hortaliças, frutas, grãos, erva mate, aves e ovos. Conforme informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE [19], os produtores orgânicos representam, cerca de, 1,8% do total investigado, em nível nacional. No Estado do Paraná, o total de propriedades rurais é de 371.051 estabelecimentos, no entanto, 7.527 produzem orgânicos, porém, 6.618 destes afirmam praticar a agricultura orgânica sem certificação, o que de certo modo não pode ser considerado como agricultura orgânica, mas sim agricultura com uso de práticas agroecológicas.

Um fato que vem ganhando destaque no Oeste Paranaense, no âmbito do DRS é o caso do Município de Marechal Cândido Rondon, onde a aquisição de alimentos destinados à alimentação escolar se dá através da agricultura familiar, via Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. O intuito é fornecer alimentos saudáveis em quantidade suficiente aos alunos da rede pública, bem como estimular a permanência do homem no campo. Pretende-se, até o ano de 2021, adquirir 100% dos alimentos de origem agroecológica e/ou orgânica.

Segundo a Lei 11.947 de 16 de junho de 2009, ficou estabelecido que:

Do total dos recursos financeiros repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), no mínimo 30% deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar [20].

Entretanto, o Município de Marechal Cândido Rondon – PR foi além e criou a Lei Municipal de nº 4.904/2016, onde fica instituída a obrigatoriedade da aquisição de alimentos orgânicos ou de base agroecológica na alimentação escolar no âmbito do sistema de ensino municipal. Além disso, conta com metas progressivas do percentual adquirido da agricultura familiar, onde, no ano de 2017, pretendia-se adquirir o mínimo de 20% (vinte por cento); em 2018, o mínimo de 30% (trinta por cento); Em 2019, o mínimo de 50% (cinquenta por cento); Em 2020, o mínimo de 75% (setenta e cinco por cento) e, em 2021, será adquirido até 100% (cem por cento) de alimentos orgânicos e agroecológicos para a alimentação escolar [21].

Garcia [22] em seu estudo, especificamente no Município de Marechal Cândido Rondon, enfatiza que o PNAE é considerado promotor de DRS, pois, além de envolver diversos atores sociais, estes priorizam a solidariedade, diminuição das desigualdades sociais e promovem a justiça social.

Vale ressaltar que, para haver efetivamente o DRS, é essencial o aporte técnico de profissionais especializados nas áreas das ciências agrárias, especialmente, os profissionais que atuam na região Oeste do Paraná e agricultura agroecológica e orgânica que, na maioria das vezes, são serviços prestados por entidades como o Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA), Cooperativa de Trabalho Biolabore, Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural - Emater e as Universidades [23].

O apoio governamental e a efetivação de políticas públicas voltados ao setor do DRS são imprescindíveis, uma vez que:

"[...] falta o impulso de um plano de governo sustentado dentro do enfoque agroecológico (dimensões econômica, social, ambiental, cultural, ética e política) para alavancar a agricultura orgânica no Estado" [24].

Portanto, acredita-se que a agricultura orgânica é muito promissora no Oeste do Paraná e é, sem dúvidas, uma atividade de grande potencial e que pode ser ainda melhor explorada. Atualmente, a demanda de produtos orgânicos e de base agroecológicas é crescente, as pessoas têm se preocupado mais com a saúde e bem estar, além de que mudanças climáticas estão cada vez mais despertando o lado "ecológico" do ser humano, o que, de certa forma, influencia positivamente a produção e consumo de alimentos orgânicos, por terem menor impacto ambiental.

Desafios do DRS no âmbito da agricultura orgânica ou de base agroecológica

A produção orgânica apresenta alguns desafios, apesar de, na opinião de vários estudiosos como Souza Filho et al. [25], ser uma forma de agregar valor em virtude da ausência de produtos químicos e qualidade aos produtos oriundos da agricultura familiar. Porém, a falta de assistência técnica especializada, a grande quantidade de mão-de-obra necessária e o aumento da capacidade produtiva das propriedades são fatores limitantes que precisam ser enfrentados.

Segundo pesquisa realizada no Município de Cascavel/PR, por Gasparin [26], o principal desafio, dentre os produtores entrevistados, está em adquirir certificação, considerando que, para isso, o produtor deve obedecer à legislação, primeiramente é necessário o prazo de, no mínimo, um ano para se livrar dos agrotóxicos presentes no solo, utilizando uma barreira física isolando sua propriedade de outras que utilizam agrotóxicos, extinguir totalmente o uso de qualquer defensivo agrícola, deixando o solo descontaminado, para somente depois obter o selo, além de haver a necessidade de possuir as licenças ambientais.

Ainda de acordo com o autor, a falta de incentivo do governo também é um entrave determinante para a produção de orgânicos, já que haveria necessidade de um sistema organizado, de políticas públicas que pudessem desburocratizar a regulamentação atual sobre a produção de orgânicos e viabilizar subsídios e investimentos a taxas compatíveis com a realidade do programa de agricultura familiar.

Tendo em vista as informações coletadas com o presente estudo, pode-se observar que os produtores da cidade de Cascavel estão empenhados em mostrar os benefícios de seus produtos ao mercado, que mesmo com todas as dificuldades enfrentadas, continuam produzindo e no caso das associações, buscando e compartilhando informações para fortalecer seus cooperados frente aos desafios existentes do mercado.

Compreender os desafios na produção rural apresenta um alerta para a sobrevivência do homem no meio rural e a necessidade de uma atenção à produção de alimentos sustentáveis. A gestão rural se faz necessária para ser possível a adoção dos agricultores familiares a uma agricultura agroecológica. Essa é uma tarefa complexa, envolvendo questões de logística, gestão da qualidade e controle de custos. O gerenciamento, por sua vez, afeta os resultados e a sustentabilidade do negócio [27].

De acordo com Inagaki et al. [28], realizando um estudo sobre a produção de soja orgânica no Oeste do Estado do Paraná, concluíram que essa produção orgânica tende a ser adiada. Tal constatação se torna clara perante as dificuldades relatadas pelos técnicos agropecuários, produtores e comerciantes entrevistados na pesquisa. Dentre as dificuldades citadas estão: indiferença e falta de comprometimento político nas questões referentes ao incentivo à produção, comercialização e financiamento; pressão de grandes multinacionais detentoras de royalties das pesquisas de soja transgênica sobre o governo brasileiro; escassez e encarecimento da mão-de-obra necessária para a realização dos tratos culturais; proximidade entre as propriedades rurais convencionais e as orgânicas, podendo ocasionar a contaminação do produto orgânico; incidência alta e dificuldade de controle de plantas invasoras, pragas e doenças nas propriedades localizadas na região; falta de capacitação do produtor rural e de seus colaboradores em práticas agroecológicas; indisponibilidade de empresas armazenadoras com silos exclusivos para estocagem da produção orgânica, entre outras.

Os autores ainda concluíram que o cenário só se tornará favorável à soja orgânica quando a população privilegiar valores ambientais e a melhoria da saúde, e os órgãos públicos apoiarem a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias que viabilizem a produção, além da estruturação adequada dos canais de armazenagem, distribuição e comercialização.

De acordo com Souza et al. [29] existe um conjunto de limitações e desafios ao desenvolvimento da agricultura orgânica. Dentre estas, reforça que os sistemas orgânicos ainda são praticados em ambientes com baixa biodiversidade, sendo necessário realizar mais práticas de policultivo, adotar a integração animal, melhorar o manejo cultural para manter plantas espontâneas e o equilíbrio ecológico. No manejo sustentável da água e do solo, os produtores orgânicos utilizam poucos métodos conservacionistas, como: o Sistema de Plantio Direto na Palha; Consorciação de culturas e rotação de culturas e com pousio de áreas. É necessário, também, ampliar o uso de variedades orgânicas, criando uma cultura de multiplicação pelos agricultores e aumentando o número de empresas que comercializam este tipo de semente.

Existe a carência de métodos alternativos no controle de pragas e doenças, tais como a utilização de extratos vegetais, caldas biológicas e das caldas bordalesa, viçosa e sulfocálcica, microrganismos, entre outros, especialmente pela baixa oferta de produtos desta natureza no mercado, embora o registro de novos produtos biológicos esteja crescendo. É necessário implantar sistemas de reciclagem de matéria orgânica em nível de propriedade, por meio de produção local de biomassa e adubos orgânicos. No entanto, ocorre necessidade de melhorar as técnicas de manejo de plantas daninhas, por meio do emprego de plantas de cobertura, com a finalidade de reduzir as capinas, o trabalho mecanizado e adubação [29].

Outro ponto chave perante os desafios da agroecologia são as embalagens. Atualmente, o plástico é o principal material utilizado como matéria-prima de embalagens, levando em consideração a preocupação com a contaminação ambiental, Souza et al. [29] relatam que a ausência de alternativas de embalagens ecológicas, tem levado os produtores a utilizar embalagens convencionais, devido ao baixo preço, tornando-se a prática mais usual. Isto fere gravemente o ideal agroecológico da agricultura orgânica, que deve atender aos requisitos de sustentabilidade ambiental e energética, priorizando o uso de materiais biodegradáveis e insumos de fontes ecologicamente corretas de energia no processo produtivo. Diante disso, faz-se necessário o estudo e o investimento em pesquisas relacionadas a embalagens biodegradáveis, seguindo as premissas da agroecologia.

Embora a produção orgânica apresente muitas vantagens ambientais, sociais e econômicas, autores como Pádua [30], pontuam algumas dificuldades enfrentadas pelos produtores orgânicos que, de algum modo, inibem o desenvolvimento da produção, como o baixo conhecimento científico e tecnológico nos sistemas produtivos orgânicos, limitação de mão de obra, falta de maquinários e equipamentos, falta de desenvolvimento científico, de estudos na área, falta de investimento governamental em áreas que não sejam de produção convencional, baixa escolaridade dos agricultores e pouca condição financeira para investimento, além da necessidade de retorno financeiro imediato.

Diante do exposto, de alguns desafios apresentados pela agricultura orgânica, os mesmos podem ser superados, através da integração de ações públicas e privadas sinérgicas visando o desenvolvimento sustentável, focar: na eliminação dos gargalos; incentivar a educação, tecnologia e inovação; em segurança alimentar qualitativa; em certificação, rastreamento e fiscalização; as instituições financeiras e o governo proporem financiamento incentivado para os pequenos e médios produtores e processadores e; prezar pela extensão rural e assistência técnica especializada para a agroecologia familiar. Além disso, evitar a dependência externa de insumos e sementes e evitar risco de contaminação genética.

Conclusão

Não é nenhuma novidade e nem é difícil constatar que alimentos produzidos sem agrotóxicos são mais saudáveis, mas o grande problema é como viabilizar sua produção em grande escala em um cenário dominado pela utilização dos defensivos, especialmente sob chancela do Estado.

Uma das soluções apontadas é a produção orgânica e agroecológica, consistente na adoção de medidas "limpas" e adequadas à proteção ambiental, produzindo alimentos saudáveis e em conformidade com o desenvolvimento sustentável almejado. Um dos grandes exemplos da sua viabilidade é a utilização dos alimentos orgânicos na alimentação escolar no Município de Marechal Cândido Rondon, representando o auxílio efetivo do Estado na busca do Desenvolvimento Rural Sustentável – DRS.

Pôde-se constatar que, além da modificação da consciência dos produtores e da população é necessária uma mudança de conduta por parte do Estado, eis que o mesmo, em certa oportunidade facilita a utilização do agrotóxico (isenção PIS/PASEP, COFINS, IPI), já em outra dificulta o acesso dos produtos orgânicos, impondo severa burocracia e elevados custos para o enquadramento legal.

Cogita-se, portanto, a alteração do quadro atual da "cultura do agrotóxico" mediante a adoção de medidas incentivadoras e desburocratizadas pelo Estado, em favor do agricultor agroecológico e orgânico, observando os casos em que deu certo (Marechal Cândido Rondon, por exemplo), bem como a conscientização da sociedade (produtores e consumidores) de que é possível produzir sem agrotóxico. Somente a partir dessa mudança de pensamento e comportamento é que se poderá buscar o desenvolvimento sustentável.

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