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Tue, 05 Jul 2022 in Revista Fitos
Interações medicamentosas entre fitoterápicos padronizados pelo Sistema Único de Saúde e medicamentos convencionais
Resumo
As plantas medicinais e os fitoterápicos são alternativas para o tratamento de diversas doenças. O Sistema Único de Saúde (SUS) possui 12 fitoterápicos padronizados na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME): alcachofra, aroeira, babosa, cáscara-sagrada, espinheira-santa, garra-do-diabo, guaco, hortelã, isoflavona-de-soja, plantago, salgueiro e unha-de-gato. O objetivo deste trabalho foi avaliar os eventos adversos destes fitoterápicos e as possíveis interações medicamentosas resultantes do seu uso concomitante com medicamentos convencionais. O trabalho foi realizado por meio de uma revisão narrativa da literatura no período entre 1995 e 2020. As plantas medicinais e/ou os medicamentos fitoterápicos são constituídos de compostos químicos, que em sua maioria são responsáveis pelas suas variadas ações farmacológicas. A composição química complexa aumenta a possibilidade de interações quando medicamentos convencionais são utilizados concomitantemente. As interações podem ser benéficas ou desfavoráveis, podendo potencializar o efeito de fármacos, reduzir a eficácia, resultar em reações adversas ou não alterar o efeito esperado do fármaco. Ressaltou-se a importância de considerar os fitoterápicos/plantas medicinais com a mesma importância que os medicamentos sintéticos, baseando a conduta clínica em evidências científicas confiáveis, reconhecendo sua eficácia, mas também seus efeitos adversos e a possibilidade de interações medicamentosas tornando, assim, seu uso mais seguro e eficaz.
Main Text
Introdução
A utilização de plantas medicinais, muitas vezes, é o único método de tratamento de doenças para diversas comunidades[1]. Nas décadas de 1940 e 1950, ocorreu um aumento na produção de fármacos sintéticos[2], mas nos anos 80, foi constatado que estes permaneciam incapazes de tratar diversas doenças e poucos venciam todas as etapas de ensaio clínico, ressurgindo o interesse pelas plantas medicinais[3]. Tal cenário, associado à etnofarmacologia e a ferramentas analíticas e computacionais, propiciou a descoberta de novos fármacos naturais[3,4].
Somado a isso, o Ministério da Saúde criou o Programa de Pesquisa de Plantas Medicinais (PPPM) da Central de Medicamentos (CEME), para avaliar a ação terapêutica de 55 plantas medicinais e, em 1988, foi regulamentada a Fitoterapia nos serviços de saúde[5]. Com o fim da CEME, foi criada a Política Nacional de Medicamentos[6,7] e, em 2006, foi implantada a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC )[8].
Posteriormente, foi instituída a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF) [9,10], com o intuito de garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos[11]. Outro marco importante, foi a publicação da Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS (RENISUS)[12] com a finalidade de orientar pesquisas voltadas à produção de fitoterápicos[13] e, em 2010, foi instituído o Programa Farmácia Viva, com a atribuição de cultivar, colher, processar, bem como manipular e dispensar plantas medicinais e fitoterápicos[14].
Atualmente, são padronizados 12 fitoterápicos no SUS: alcachofra, aroeira, babosa, cáscara-sagrada, espinheira-santa, garra-do-diabo, guaco, hortelã, isoflavona-de-soja, plantago, salgueiro e unha-degato[15,16]. Assim, o objetivo deste trabalho foi avaliar os eventos adversos destes fitoterápicos e as possíveis interações medicamentosas resultantes do uso concomitante com medicamentos convencionais.
A PNPMF e a PNPIC foram importantes para o estabelecimento da fitoterapia no Brasil. Entretanto, ainda existem dificuldades em relação à utilização dessa terapia[17], como a falta de qualificação e capacitação dos profissionais da saúde[18].
Estudos realizados no Rio Grande do Sul mostraram que pouquíssimos profissionais de saúde prescrevem fitoterápicos[19] e a maioria desconhece a existência de interações medicamentosas e eventos adversos[20]. Gadelha[21] e Mattos[22] mostraram que em Sousa (PB) e em Blumenau (SC), respectivamente, a maioria dos profissionais não tem conhecimento suficiente para orientação e/ou prescrição de plantas medicinais e fitoterápicos e desconhecem a oferta de fitoterápicos na RENAME.
Além disso, a avaliação da fitoterapia na atenção primária mostrou que os profissionais de saúde, que passam por capacitação na área, são capazes de orientar os pacientes, evitando práticas inadequadas[23]. Assim, é evidente a necessidade de capacitação dos profissionais de saúde sobre o uso de plantas medicinais e fitoterápicos[18,19] e os possíveis eventos adversos e interações medicamentosas[20].
Metodologia
O trabalho foi realizado por meio de uma revisão narrativa da literatura, no período de 1995 a 2020. A busca dos dados foi realizada nas bases de dados SciElo, PubMed e sites do Ministério da Saúde, a partir das seguintes palavras-chave: nome científico da planta versus toxicidade; interação medicamentosa, além de herb or medicinal plants and drugs interactions.
Fitoterápicos padronizados no Sistema Único de Saúde
Alcachofra (Cynara scolymus L.)
A alcachofra possui em sua composição, principalmente, flavonoides e ácidos clorogênicos, responsáveis por seus efeitos antioxidantes, inibição da síntese de colesterol e redução da oxidação da lipoproteína de baixa densidade[24]. A alcachofra está padronizada no SUS nas formas de comprimido, solução oral e tintura, nas concentrações de 24 a 48 mg de derivados de ácido cafeoilquínico[25].
A cinarina (ácido 1,3-di-O-cafeoilquínico) é o principal componente ativo e possui ação colagoga e colerética, responsáveis pelo efeito hepatoprotetor[24,26], enquanto que a cinaropicrina (lactona sesquiterpênica) apresenta propriedades anti-hiperlipidêmica, antitumoral, anti-inflamatória, antioxidante e antibacteriana[27].
Os flavonoides da planta inibem a xantina oxidase, similarmente à colchicina. Assim, o uso concomitante de colchicina e de alcachofra resulta em aumento da toxicidade deste fármaco. Além disso, quando usada com o anlodipino foram relatados diarreia, azia, vômitos e alergias, uma vez que a alcachofra inibe a enzima CYP3A4, responsável pelo metabolismo do anlodipino, aumentando a concentração deste fármaco[28].
De acordo com Nicoletti[29], a diurese provocada pela alcachofra pode ser prejudicial quando associada à administração de diuréticos de alça e tiazídicos, pois esses podem resultar em hipocalemia. Pode ocorrer também redução do volume sanguíneo, resultando em hipotensão.
Para avaliar a teratogenicidade do extrato aquoso de folhas de alcachofra, foram administradas doses de até 4 g/kg em ratas Wistar prenhas. Apesar de diminuir o peso e o tamanho fetal, o extrato não causou malformações fetais[30]. Para Queiroz et al. [31], a alcachofra é contraindicada durante a amamentação, devido à excreção da cinaropicrina no leite.
Em relação à atividade mutagênica e genotóxica in vivo, Zan et al.[32] demonstraram que o extrato aquoso de alcachofra possui baixo potencial genotóxico. No entanto, foi observada alteração na medula óssea no grupo tratado com 2000 mg/kg, indicando que o chá de alcachofra deve ser consumido com moderação.
Foram observadas reações alérgicas, rinite e asma brônquica após a administração tópica e nasal da alcachofra em 2 pacientes[33]. Apesar disso, o estudo de Englisch[34] indica que o extrato aquoso apresentou boa tolerabilidade, baixa ocorrência de efeitos colaterais, e efeito hipocolesterolemiante.
Aroeira (Schinus terebinthifolia Raddi)
A aroeira[35] possui taninos e saponinas, responsáveis pelas atividades anti-inflamatória, antibacteriana e antifúngica da planta[36]. A aroeira está padronizada no SUS nas formas de gel e óvulo vaginal, ambas com 1,932 mg de ácido gálico, sendo indicada no tratamento de cervicites, vaginites e cérvico-vaginites[25].
Na avaliação da mutagenicidade, foram observadas lesões no DNA de bactérias[36,37], possivelmente associadas à formação de radicais livres. Lima et al.[38] estudaram a toxicidade oral aguda e subaguda do extrato etanólico em ratos Wistar e não detectaram sinais de toxicidade ou mortes. Carlini et al.[39] observaram ação protetora gástrica com doses orais de 50 mg/Kg de extrato. Os mesmos autores observaram malformações após administração oral e contraindicam o uso em gestantes.
Em relação ao gel vaginal, o mesmo pode ser usado em mulheres[40] e a principal reação adversa é desconforto local[41].
Babosa [Aloe vera (L.) Burm. f.]
A babosa possui mucilagem[42], a qual é composta por polissacarídeos e compostos fenólicos[43]. Os polissacarídeos aumentam a síntese de colágeno e aceleram a regeneração tecidual, portanto, a babosa é indicada no tratamento de queimaduras de 1º e 2º graus[44] e no tratamento de Psoríase vulgaris[25].
As reações adversas decorrentes do uso tópico da babosa são dermatite de contato, hipersensibilidade e queimação local[45]. Além disso, nas folhas também é encontrado o látex, rico em antraquinonas, que possuem propriedades laxativa[46], analgésica, antibacteriana e antiviral[44]. No SUS, a babosa é padronizada nas formas de creme e gel, contendo 10-70% do gel fresco[25].
Em relação à toxicidade, o teste agudo em galinhas, utilizando extrato hidroalcóolico, matou 20% dos animais na dose de 2.560 mg/Kg, enquanto que no teste de toxicidade subcrônica não foram observadas anormalidades ou mortes com doses diárias de até 640 mg/Kg. Assim, o extrato pode ser considerado seguro[47], porém, há relatos de hepatite aguda[48, 49, 50] e diminuição da concentração plasmática de hormônios tireoidianos (T3 e T4)[51].
Em relação às interações medicamentosas, Lee[52] relatou a interação com o anestésico sevoflurano, com potencialização dos efeitos antiplaquetários resultando em sangramento; e Hervás-García et al.[53]denotaram hepatotoxicidade causada pelo uso concomitante com interferon beta.
A atividade mutagênica do extrato de folhas de babosa foi avaliada por meio do ensaio em Allium cepa e na dose de 400 mL/L que resultou em mutagenicidade[54]. Em estudo crônico, com administração oral em ratos, foram observadas neoplasias intestinais, relacionadas às antraquinonas[55]. Também podem ocorrer alterações na morfologia do reto e cólon, fissuras anais e prolapsos hemorroidais[56].
Por fim, as antraquinonas estimulam o intestino grosso, o que pode refletir na musculatura uterina induzindo ao aborto, portanto, a babosa é contraindicada para gestantes[57].
Cáscara-sagrada (Rhamnuspurshiana DC.)
A cáscara-sagrada possui antraquinonas e substâncias fenólicas[58]. As antraquinonas conferem ação colagoga e hipocolesterolemiante e estimulam o peristaltismo[59]. No SUS, está padronizada nas formas de cápsula e tintura com 20 a 30 mg de derivados hidroxiantracênicos expressos em cascarosídeos[25].
Os cascarosídeos inibem a reabsorção de eletrólitos e água no cólon por meio de irritação local, induzindo ao peristaltismo. Assim, a cáscara-sagrada pode interferir na biodisponibilidade de fármacos absorvidos no intestino[60], como anticonvulsivantes[61], além de causar redução acentuada de potássio sérico, principalmente quando utilizada com diuréticos tiazídicos[62].
O consumo da cáscara-sagrada nas doses recomendadas e por período curto de tempo é seguro, entretanto, o uso crônico pode causar desconforto gastrintestinal, câimbras e uma patologia chamada Melanose coli, caracterizada por lesões pigmentadas no cólon[63]. Além disso, o uso contínuo é considerado fator de risco para câncer colorretal, uma vez que as antraquinonas podem interferir na atividade da topoisomerase II, intercalar com as bases do DNA e servir como substrato para a glicoproteína P[64].
Outros efeitos adversos relatados são icterícia, alterações bioquímicas, danos hepatocelulares, desenvolvimento de hepatite colestática, associados à ingestão da planta, e asma e rinite, associadas à manipulação da mesma[65, 66, 67].
A cáscara-sagrada é contraindicada para portadores de doenças crônicas intestinais, apendicite, sangramento retal e colite ulcerativa devido às propriedades laxantes[59]. Também não é recomendada para pacientes com doença renal, pois as antraquinonas podem promover um desequilíbrio eletrolítico[68]. As antraquinonas também podem estimular a musculatura uterina e são excretadas no leite materno, portanto a cáscara-sagrada é contraindicada para grávidas e lactantes[69].
Espinheira-santa (Maytenus ilicifolia Mart. ex Reissek)
A espinheira-santa é composta por triterpenos, flavonoides, taninos, óleos essenciais e alcaloides[70] e possui atividade antiulcerogênica[71], sendo indicada no tratamento de úlcera e gastrite[72]. No SUS, está padronizada nas formas de cápsula, tintura, emulsão e suspensão oral[25].
Os taninos formam complexos com proteínas plasmáticas aumentando a biodisponibilidade de fármacos inibidores de proteases, o que pode potencializar os efeitos colaterais[73]. Ademais, em estudo clínico foram relatados os seguintes efeitos adversos associados ao uso da espinheira-santa: poliúria, cefaleia, sonolência, náusea, tremor nas mãos, cistite, dor nas articulações das mãos e xerostomia[74].
Na avaliação do efeito na espermatogênese de camundongos, foram observadas células germinativas imaturas, núcleos picnóticos e túbulos seminíferos vacuolizados, porém a espermatogênese não foi prejudicada. Além disso, o extrato etanólico na dose de 800 mg/Kg/dia durante 30 dias, reduziu o peso dos animais[75].
Em ratas prenhas, a atividade estrogênica do extrato hidroalcoólico dificultou a aderência do embrião na parede uterina, resultando em perda embrionária. Entretanto, o extrato administrado durante ou após o período de implantação não induziu à malformação e morte fetal[76]. Ainda, estudos recentes demonstraram que administração do extrato não provoca alteração na parede uterina, perda embrionária ou efeitos teratogênicos[74,77].
Garra-do-diabo (Harpagophytum procumbens DC. ex Meissn.)
A garra-do-diabo tem como substância majoritária o harpagosídeo, monoterpeno iridoide glicosilado[78], responsável pela ação anti-inflamatória da planta, uma vez que o mesmo é capaz de inibir a cicloxigenase (COX) e a lipoxigenase (LOX), liberar citocinas e produzir óxido nítrico[79]. Portanto, a garra-do-diabo é indicada como coadjuvante no tratamento de osteoartrite e gota[29], e, no SUS, está padronizada nas formas de comprimido, cápsula e comprimido de liberação prolongada, contendo de 30 - 100 mg de harpagosídeo ou 45 - 150 mg de iridoides totais expressos[25].
A garra-do-diabo apresenta também atividade anticoagulante e, portanto, potencializa o efeito de anticoagulantes, como a varfarina e o ácido acetilsalicílico, aumentando o risco de hemorragias[80].
Em relação aos efeitos adversos, podem ocorrer alterações gastrintestinais, cefaleia, vertigem, erupções na pele e urticária[81]. Além disso, há relato de hipertensão arterial associado ao uso de garra-do-diabo, devido à redução da vasodilatação, da diminuição da excreção de sódio e aumento da produção de prostaglandinas vasoconstritoras[82].
O estudo in vitro sobre o efeito de extratos da planta e de harpagosídeo no transportador ABCB1/ P-glicoproteína, mostrou interação com esse transportador, mas não relacionada ao teor de harpagosídeo[83]. Já o ensaio de toxicidade do extrato aquoso, realizado em ratos, mostrou aumento dos níveis de potássio, fósforo e sódio[81].
Adicionalmente, foi avaliada a capacidade de inibição das enzimas CYP1A2, 2C9, 2C19, 2D6 e 3A4 de dez preparações comerciais à base de garra-do-diabo, bem como das substâncias harpagosídeo e harpagida. Dentre as preparações avaliadas, 5 inibiram a CYP3A4 e outras 5 ativaram, enquanto que harpagosídeo e harpagida isoladamente não inibiram a CYP3A4. Portanto, as interações entre garra-do-diabo e medicamentos convencionais por meio de alteração do sistema enzimático P450 é irrelevante[84,85].
A garra-do-diabo não é recomendada para pacientes com úlceras gástricas e duodenais, uma vez que estimula a secreção de ácido gástrico[86], e também não é recomendada para portadores de cálculos biliares, pois a ação colerética aumenta o risco de formação desses cálculos[87]. Além disso, o extrato aquoso é uterotônico, portanto é contra indicado durante a gravidez[88].
Guaco (Mikania glomerata Spreng.)
O guaco é composto por cumarinas, terpenos, taninos, flavonoides e saponinas[89]. Pelo fato de atuar como broncodilatador, antitussígeno e expectorante, é indicado para auxiliar no tratamento de tosses persistentes e com expectoração[29]. No SUS, está padronizado nas formas de tintura, xarope e solução oral, contendo de 0,5-5 mg de cumarina[25].
O guaco, quando utilizado em doses acima da recomendada ou por período prolongado, pode provocar aumento da frequência cardíaca, vômitos e diarreia. Além disso, a cumarina possui ação anticoagulante agindo como antagonista da vitamina K, responsável pela ativação dos fatores de coagulação[90]. Similarmente, o guaco potencializa a ação de anticoagulantes orais que também agem como antagonistas da vitamina K, aumentando o risco de hemorragias[91]. Além disso, o guaco interage sinergicamente com alguns antibióticos[92] e potencializa a pancitopenia causada por antirretrovirais[73].
Em relação aos efeitos nos órgãos reprodutivos, a administração - por via oral de 3,3 g/Kg do extrato hidroalcóolico das folhas - durante 52 dias a ratos Wistar adultos, não alterou espermatogênese e os níveis séricos de testosterona[93]. Em outro estudo, a mesma dose foi administrada durante 90 dias a ratos Wistar imaturos sexualmente e não foram detectadas alterações em nenhum órgão vital, tampouco nos sistemas reprodutivo e endócrino[94].
A toxicidade aguda foi avaliada em camundongos tratados por via oral durante 30 dias com doses de 200 -3000 mg/Kg de extrato etanólico das folhas de guaco, e a dose de 3000 mg/Kg foi letal a 50% dos animais. Em relação aos parâmetros bioquímicos, foram observadas alterações renais sem relevância clínica. No que diz respeito aos parâmetros hematológicos, foram observados aumento do volume corpuscular médio e da hemoglobina corpuscular média, mas tais alterações desapareceram após o término do tratamento. Assim, os resultados demonstraram que o extrato etanólico é seguro[95].
Fulanetti et al.[96] avaliaram a toxicidade do extrato aquoso em ratas Wistar - grávidas e hipertensas - tratadas por via oral com 0,2 e 0,4 g de extrato. Como a cumarina tem ação vasodilatadora, esperava-se que o extrato reduzisse a hipertensão arterial das ratas, porém isso não ocorreu. Em relação à análise macroscópica dos fetos, não foram observadas anormalidades, sugerindo que o extrato aquoso não é teratogênico. No entanto, o guaco é contraindicado a gestantes pela possibilidade de ocorrer hemorragias[89].
Hortelã (Mentha x piperita L.)
A hortelã é composta por terpenoides e flavonoides[97]. No SUS, é indicada no tratamento da síndrome do cólon irritável, cólica intestinal, flatulência e espasmos e é padronizada na forma de cápsulas, contendo de 60 - 440 mg de mentol e de 28 - 256 mg de mentona[25].
A hortelã inibe as isoformas CYP1A2, CYP2C9, CYP2C19, CYP2D6 e CYP3A4 do sistema enzimático citocromo P450[98]. A isoforma CYP1A2 metaboliza fármacos como o paracetamol, varfarina, propranolol e clomipramina; a CYP2C9 metaboliza fármacos como o ibuprofeno, losartana, fluoxetina e fenitoína; a CYP2C19 metaboliza o omeprazol, amitriptilina, fluoxetina, diazepam e fenobarbital; a CYP2D6 metaboliza a propafenona, timolol, haloperidol e risperidona[99]; e a CYP3A4 metaboliza a maioria dos fármacos, tais como alprazolam, ciclosporina, diclofenaco, lidocaína, nifedipino, paclitaxel, sinvastatina, dentre outros[100]. Com isso, as concentrações plasmáticas desses fármacos podem aumentar quando administrados concomitantemente à hortelã, resultando em potencialização dos efeitos terapêuticos e adversos[99].
Os ensaios in vitro realizados com extrato e com óleo essencial de hortelã mostraram sinergismo com antimicrobianos[92,101]. O óleo essencial também diminuiu o número de leucócitos e o nível de ácido úrico, e aumentou o número de plaquetas, e os níveis de colesterol total e triglicérides, quando administrado a ratos Wistar na dose de 100-2000 mg/Kg/dia[102]. Outros parâmetros bioquímicos foram avaliados após a administração de chá de hortelã, durante 30 dias, na concentração de 20 g/L a ratos Wistar: ocorreu aumento nos níveis de hormônio folículo estimulante e hormônio luteinizante, redução nos níveis de testosterona[103]; e redução nos níveis de ferro e ferritina[104].
Golalipour e colaboradores[105] observaram que a administração oral do extrato hidroalcoólico de hortelã a camundongos, nas doses de 600 e 1200 mg/Kg/dia, no início da gestação, reduziu o peso dos fetos, mas não resultou em teratogenicidade. Sendo assim, a hortelã é contraindicada em pacientes com anemia ferropriva, gestantes e crianças[104,105].
Em relação aos efeitos adversos, podem ocorrer alterações gastrintestinais[106]. O uso tópico pode causar dermatite de contato[107].
Isoflavona-de-soja [Glycinemax (L.) Merr.]
A isoflavona-de-soja é rica em isoflavonoides, responsáveis por sua indicação no alívio dos sintomas do climatério[108]. No SUS, a isoflavona-de-soja está padronizada nas formas de cápsula e comprimido, contendo de 50-120 mg de isoflavona[25].
As isoflavonas são fitoestrógenos, pois apresentam estrutura química similar ao estrógeno. Assim, com a diminuição da produção de estrógenos - observada durante o climatério - as isoflavonas são capazes de prevenir e melhorar os sintomas do climatério, osteoporose, doenças metabólicas e cardiovasculares[109,110].
Por muito tempo, especulou-se sobre o potencial carcinogênico das isoflavonas. Atualmente, há estudos que mostram que as isoflavonas não causam proliferação das células mamárias[111, 112, 113]; não aumentam o risco de câncer no endométrio[114]; e ainda, diminuem a incidência de câncer de próstata[115]. Além disso, estudos têm demonstrado o papel preventivo das isoflavonas no câncer, por meio da regulação do apoptose e da proliferação celular, inibição da angiogênese e metástase, além da ação antioxidante[116].
Por outro lado, a ingestão de fitoestrógenos durante a gestação aumenta o risco de hipospádia[117]. Em estudo realizado com mulheres japonesas no início da gestação, foi observado que mesmo a baixa ingestão diária (15.3 mg/dia) de fitoestrógenos, é suficiente para aumentar o risco de hipospádia[118]. Assim, o consumo de isoflavonas deve ser evitado durante a gestação[119].
Além disso, há estudos que mostram que produtos à base de soja induzem isoformas da CYP1, CYP2 e CYP3A, diminuindo a meia-vida e alterando a eficácia terapêutica de fármacos metabolizados por essas enzimas[120].
De modo geral, a isoflavona-de-soja é bem tolerada, podendo causar leves alterações gastrintestinais[121] e aumento do risco de hipotireoidismo, mas diminui a resistência à insulina e a pressão arterial[122].
Plantago (Plantago ovata Forssk.)
A plantago apresenta compostos fenólicos, principalmente flavonoides; alcaloides; terpenoides e polissacarídeos[123]. Estes últimos possuem efeito laxativo. Portanto, a plantago é indicada em casos de constipação intestinal[124]. No SUS, está padronizada na forma de pó para dispersão oral, em sachês, contendo de 3 - 30 g[25].
A ispaghula é uma fibra solúvel em água - obtida a partir da moagem das sementes de plantago - e composta por polissacarídeos[125], que podem reduzir a biodisponibilidade de fármacos, como a levotiroxina [126,127]; de fármacos que atuam no sistema nervoso central, como o lítio e a carbamazepina e de fármacos que atuam no coração, como a digoxina [128].
Por outro lado, há fármacos que têm sua absorção aumentada em associação com plantago, como o etinilestradiol[129] e, a levodopa[130]. Há também associações que são benéficas, como o aumento da ação de hipoglicemiantes[131,132]; o auxílio na redução do colesterol quando administrada com estatinas[133]; e a redução do trânsito colônico causado pelos senosídeos e pelo orlistate[134].
A ispaghula é considerada um alérgeno ocupacional potente[135]. Viñas et al.[136] relataram um caso de rinoconjutivite, decorrente da inalação ocupacional da plantago. Posteriormente, Collado-Chagoya et al.[137] descreveram reação anafilática associada à inalação da ispaghula. Outro ponto relevante é que, se a ispaghula for ingerida sem a quantidade adequada de líquidos pode ocorrer obstrução intestinal[124].
Salgueiro (Salixalba L.)
O salgueiro é composto por salicilatos, como a salicina; fenilpropanoides; flavonoides e taninos[138]. No SUS, é indicado como analgésico e antipirético e está padronizado nas formas de comprimido, elixir e solução oral, contendo de 60-240 mg de salicina[25].
A salicina é a substância majoritária, e a mesma é metabolizada pela flora intestinal a saligenina, que em seguida é absorvida e metabolizada a ácido salicílico no fígado[139]. Portanto, a salicina é quimicamente relacionada ao ácido salicílico, o qual originou o ácido acetilsalicílico (aspirina®) por meio de uma reação de acetilação[140]. Embora a salicina e o ácido salicílico sejam usados como analgésico e antipirético, desde o século XIX, possivelmente outras substâncias presentes no salgueiro também contribuam para os efeitos terapêuticos[141].
Atualmente, não se sabe a toxicidade de todas as substâncias presentes no salgueiro, mas é consenso que a casca do salgueiro apresenta amplo mecanismo de ação e não causa eventos adversos graves, quando comparada com o ácido acetilsalicílico[142,143]. No entanto, indivíduos alérgicos ao ácido acetilsalicílico devem evitar o uso de salgueiro[141].
As reações adversas mais comuns são reações anafiláticas em indivíduos alérgicos a salicilatos[141,144,145]. Os salicilatos também podem causar a Síndrome de Reye, portanto, não é recomendado o uso de extrato de salgueiro por menores de 16 anos[141], nem por lactantes, uma vez que os salicilatos são excretados no leite[146].
Pacientes com gastrite, úlcera estomacal, asma, diabetes ou hemofilia devem evitar a utilização de extratos de salgueiro. Além disso, há aumenta do risco de sangramentos quando administrados concomitantemente a anticoagulantes; diminui a ação de diuréticos e β-bloqueadores e potencializa os efeitos gástricos adversos causados pelos anti-inflamatórios não esteroidais[141].
Dinakaran et al.[147] relataram insuficiência hepática decorrente do uso associado de chá de casca de salgueiro com paracetamol. Durante a investigação, os autores constataram efeito tóxico sinérgico, pois a concentração sanguínea de paracetamol estava abaixo da dose tóxica, descartando a possibilidade da hepatotoxicidade ter sido ocasionada apenas pelo uso de paracetamol.
No que se refere à segurança de utilização do salgueiro, o extrato etanólico foi genotóxico a células de leucócitos humanos, mas, após o metabolismo hepático, não foi observada genotoxicidade. Assim, os autores sugerem a necessidade de estudos in vivo para avaliar a genotoxicidade[148]. Adicionalmente, devido à escassez de estudos sobre teratogenicidade, sua utilização em gestantes não é recomendada[146].
Unha-de-gato [Uncaria tomentosa (Willd. ex Roem. &Schult.)]
A unha-de-gato apresenta propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes, antimicrobianas, anticancerígena e imunoestimulantes[149], relacionadas à presença de alcaloides, terpenos e flavonoides[150]. Em especial, a atividade antioxidante é atribuída à elevada concentração de flavonoides que eliminam ou impedem a formação de radicais livres, por exemplo, por meio da inibição de enzimas relacionadas à inflamação[151], e, portanto, a unha-de-gato é indicada no tratamento da artrite e da osteoartrite[152]. No SUS, está padronizada nas formas de cápsula, comprimido e gel, contendo 0,9 mg de alcaloides[25].
Os efeitos adversos resultantes da ingestão da unha-de-gato incluem náusea e diarreia. Além disso, um estudo in vitro demonstrou alteração no tamanho e no formato de eritrócitos tratados com extrato etanólico e aquoso, respectivamente[153]. No entanto, a administração de extrato aquoso a ratos na dose de 10-80 mg/Kg durante 8 semanas ou 160 mg/Kg durante 4 semanas, não mostrou sinais de toxicidade aguda ou crônica, tampouco alterações no peso corporal ou alterações patológicas nos órgãos avaliados[154].
De modo geral, há poucos ensaios clínicos que relatam efeitos adversos decorrentes do uso de unha-de-gato[155] Há relato de um único paciente, portador de lúpus eritematoso sistêmico, que desenvolveu insuficiência renal aguda associada ao uso de 4 cápsulas/dia de unha-de-gato. Como o paciente foi tratado com diversos outros fármacos, não foi possível traçar uma relação de causa-efeito, mas após o uso descontinuado das cápsulas unha-de-gato, a função renal retornou à normalidade[156].
Em relação às interações medicamentosas, há possibilidade de inibição da enzima CYP3A4, o que pode resultar em aumento dos níveis séricos de fármacos metabolizados por essa enzima[100,157,158]. Além disso, a administração oral durante 7 dias do extrato aquoso, na dose de 32 mg/mL, em ratos Wistar, diminuiu a captação e a biodistribuição de pertecnetato de sódio[159].
Conclusão
As plantas medicinais e os medicamentos fitoterápicos são constituídos por diversas substâncias bioativas, portanto, apresentam diversos mecanismos de ação e, quando administrados com fármacos, podem resultar em interações medicamentosas.
Portanto, é imprescindível basear o uso terapêutico dos mesmos em evidências científicas, e reconhecer a eficácia e a importância no tratamento de diversas enfermidades, mas também, ter conhecimento dos eventos adversos e das interações medicamentosas existentes.
Resumo
Main Text
Introdução
Metodologia
Fitoterápicos padronizados no Sistema Único de Saúde
Alcachofra (Cynara scolymus L.)
Aroeira (Schinus terebinthifolia Raddi)
Babosa [Aloe vera (L.) Burm. f.]
Cáscara-sagrada (Rhamnuspurshiana DC.)
Espinheira-santa (Maytenus ilicifolia Mart. ex Reissek)
Garra-do-diabo (Harpagophytum procumbens DC. ex Meissn.)
Guaco (Mikania glomerata Spreng.)
Hortelã (Mentha x piperita L.)
Isoflavona-de-soja [Glycinemax (L.) Merr.]
Plantago (Plantago ovata Forssk.)
Salgueiro (Salixalba L.)
Unha-de-gato [Uncaria tomentosa (Willd. ex Roem. &Schult.)]
Conclusão