Artigo de Pesquisa
Produção de cerveja artesanal com pimenta dedo-de-moça comercial
Craft beer production with commercial chili pepper
Resumo
A produção de cervejas artesanais tem crescido. A adição de plantas com potencial antioxidante é uma alternativa para aumentar a estabilidade dos produtos. A pimenta, conhecida popularmente como dedo-de-moça (Capsicum baccatum), é comercializada e apresenta potencial antioxidante. Neste cenário, foi produzida a cerveja artesanal com adição de pimenta dedo-de-moça a 0,1% (m/v) (CCP) e a cerveja produzida pelo mesmo método sem adição de pimenta (CSP). Foram avaliados os parâmetros pH, cor, teor alcoólico, potencial antioxidante e teor de compostos. Com exceção da cor, cujo valor médio foi igual para CCP e CSP, todos os demais parâmetros apresentaram diferenças significativas entre CCP e CSP com p <0,05. A CCP apresentou uma concentração mais elevada de etanol, com teor alcóolico de 5,58 ± 0,17 %, enquanto que a CSP apresentou 5,00 ± 0,09% e também maior teor de compostos fenólicos e de potencial antioxidante. Os resultados indicam que há perspectiva positiva para o uso de pimenta "dedo-de-moça" na produção de cervejas. Neste sentido, é necessário analisar sensorialidade e estabilidade do produto durante o armazenamento.
- Palavras-chave:
- Compostos fenólicos.
- pH.
- DPPH.
- Teor alcoólico.
Abstract
The production of craft beers has grown, in this scenario the addition of plants with antioxidant potential is an alternative to increase the stability of the products. Pepper popularly known as "dedo-de-moça" (Capsicum baccatum) is commercialized and showed antioxidant potencial. In this scenario, craft beer was produced with the addition of 0.1% (m/v) dedo-de-moça pepper (CCP) and beer produced by the same method without the addition of pepper (CSP). The parameters pH, color, alcohol content, antioxidant potential and compound content were evaluated. With the exception of color, whose mean value was equal for CCP and CSP, all other parameters showed significant differences between CCP and CSP with p <0.05. CCP presented a higher concentration of ethanol, with an alcohol content of 5.58 ± 0.17%, while CSP presented 5.00 ± 0.09% and also a higher content of phenolic compounds and antioxidant potential. The results indicate that there is a positive perspective for the use of "dedo-de-moça" pepper in the production of beers. In this sense, is necessary to analyze the sensory and stability of the product during storage.
- Keywords:
- Phenolic compounds.
- pH.
- DPPH.
- Alcohol content.
Introdução
As cervejas são bebidas alcoólicas provenientes da fermentação das leveduras do malte aromatizado com lúpulo, sendo que o Brasil foi ranqueado como terceiro maior produtor e consumidor de cerveja em um levantamento de 2017, sendo a bebida alcoólica mais consumida pelos brasileiros[1].
A cerveja artesanal de baixa fermentação tipo Pilsner é caracterizada por uma cor mais clara e teor alcoólico baixo[2]. Também apresenta menores teores de compostos fenólicos[3], sendo a adição de plantas uma alternativa para aumentar a quantidade destes compostos[2].
A presença de compostos fenólicos está associada a estabilidade do produto, já que tais compostos sequestram radicais livres, aumentando o tempo de prateleira, evitando alterações na coloração e são responsáveis pela estabilidade coloidal com as proteínas[4].
A pimenta dedo-de-moça (Capsicum baccatum) apresenta potencial antioxidante e compostos fenólicos em sua composição[5], sendo amplamente utilizada pela população em preparos alimentícios e sendo de fácil obtenção[6]. Kim e colaboradores[7] realizaram a incorporação de pimenta verde (Capsicum annuum) na produção de cerveja, resultando em um produto com maior potencial antioxidante e com boa aceitação de consumidores. Já Nunes filho e colaboradores[8] adicionaram pimenta do reino (Piper nigrum) e açafrão (Curcuma longa) na fabricação de cerveja artesanal tipo Red Ale e otimizaram as proporções dos ingredientes em relação ao potencial antioxidante e outros parâmetros.
Neste contexto, avaliamos o efeito da inclusão de pimenta dedo-de-moça proveniente do comércio local em cerveja artesanal tipo Pilsner em relação aos parâmetros de cor, pH, teor alcoólico, potencial antioxidante e teor de compostos fenólicos.
Material e Métodos
A pimenta dedo-de-moça (C. baccatum) recém colhida foi obtida no final do inverno, em setembro de 2019, de produtores locais, na feira central de Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil (22°14'17.1"S 54°48'38.4"W). A especiaria apresentava coloração avermelhada. O processamento ocorreu no mesmo dia da aquisição. As especiarias foram esmagadas em um microprocessador a 25ºC na proporção de 2% (massa de especiaria e volume de água) e depois filtradas e a fração aquosa liofilizada. Os extratos foram obtidos em triplicata e o rendimento (13,17 ± 0,93%) foi calculado utilizando as massas in natura da especiaria e do extrato liofilizado.
O processo de produção foi realizado conforme descrito por Piva e colaboradores[2]. O extrato da pimenta dedo-de-moça foi adicionado na concentração de 0,1% (m/v) a 20ºC. Foi preparada uma cerveja sem adição de pimenta para atuar como controle.
Para a avaliação da cor, utilizou-se o método da EBC descrito por Jahn e colaboradores[9] para determinação de cores no comprimento de onda de 430 nm após filtragem no filtro de papel de 0,45 µm. O pH foi determinado em um pHmetro da marca Bel, modelo W3B.
O potencial antioxidante foi analisado pela inibição do radical 2,2-difenil-1-picrilhidrazil (DPPH)[10]. A leitura da absorbância foi realizada no comprimento de onda de 517 nm. Já o teor de compostos fenólicos foi determinado pelo método espectroscópico descrito por Castro e colaboradores[11], utilizando o reagente Folin-Ciocalteu e empregando uma curva padrão com ácido gálico (5 a 1000 μg mL-1) medindo a absorbância em 756 nm. O resultado foi expresso em μg de ácido gálico equivalente (AGE) por mL de amostras. Todas essas análises foram realizadas em triplicata.
O preparo da amostra para a análise por cromatografia gasosa ocorreu conforme realizado por Piva e colaboradores[2]. As amostras foram analisadas em um cromatógrafo gasoso acoplado a um espectrômetro de massas, utilizando o método descrito por Pinu e Villas-Boas[12]. Foram analisados os teores de etanol e álcool isoamílico (3-metil-1-butanol). As amostras foram analisadas em triplicata.
A análise estatística foi realizada pelo software GraphPad Prism 5.0. Os dados foram expressos como média ± desvio padrão (DP) para cada experimento. Os resultados foram analisados por meio da análise de variância one-way (ANOVA) seguida do teste de Student Newman-Keuls. As diferenças foram consideradas significativas quando p <0,05.
Resultados e Discussão
A média de cor foi de 13,88 ± 0,64 para CCP e de 13,88 ± 0,44 CSP. A alteração da coloração da cerveja na adição da especiaria pode estar associada com a degradação de compostos de interesse[9]. As cores obtidas são semelhantes às obtidas para as cervejas tipo Czech Pilsner, Weissbier[13] e a Pilsner produzida com Ocimum selloi[2].
Os parâmetros pH, teor alcoólico, potencial antioxidante e teor de compostos apresentaram diferenças significativas entre CCP e CSP com p <0,05.
O valor médio do pH de CCP foi de 4,63 ± 0,10 e de CSP foi de 4,72 ± 0,12, estando semelhante ao relatado na literatura para cervejas[2,3,14,8].
A CCP apresentou uma maior inibição frente ao radical DPPH e maior teor de compostos fenólicos (TABELA 1). Este resultado pode estar associado potencial antioxidante presente na pimenta dedo-de-moça[5,6]. A adição de C. annuum em cerveja também resultou no aumento da atividade antioxidante[7], assim como a adição de P. nigrun em cerveja do tipo Red Ale[8].
Amostra | Redução do radical DPPH (%) | Compostos fenólicos (µg AGE mL-1) |
---|---|---|
CSP | 39,3 ± 0,1 | 256,3 ± 2,9 |
CCP | 50,7 ± 0,9 | 317,9 ± 8,1 |
CSP = Cerveja sem pimenta; CCP = Cerveja com pimenta; DPPH = 2,2-difenil-1-picrylhydrazyl. |
Os valores obtidos para a cerveja tipo Pilsner produzida com adição de folhas de O. selloi foram mais elevados (359,0 e 371,9 µg AGE mL-1) e a cerveja sem adição os valores foram de 291,2 µg AGE mL-1[2].
A cerveja produzida por Kim e colaboradores[7] que teve adição de diferentes concentrações de C. annuum também obteve valores mais elevados de compostos fenólicos (entre 1009,70 µg e 1321,82 µg AGE mL-1), entretanto, a amostra sem adição de C. annuum também obteve altos teores de compostos fenólicos (723,18 µg AGE mL-1), indicando que o processo de fermentação utilizado pelos autores favorece a obtenção de compostos fenólicos.
Já as cervejas do tipo Red Ale produzida por Nunes filho e colaboradores[8] com adição de diferentes concentrações de C. longa e P. nigrun em diferentes concentrações, tiveram concentrações de compostos fenólicos semelhantes ao obtidos para a pimenta dedo-de-moça (TABELA 1), já que os autores obtiveram valores entre 284,29 e 304,17 µg AGE mL-1.
A adição da pimenta levou a aumento do teor alcoólico, assim como maiores concentrações de etanol e 3-metil-1-butanol (TABELA 2).
Parâmetro | CSP | CCP |
---|---|---|
Etanol (g L-1) | 40,37 ± 0,32 | 43,11± 0,15 |
3-metil-1-butanol (mg L-1) | 1,01 ± 0,02 | 1,19 ± 0,05 |
Teor alcoólico (%) | 5,00 ± 0,09 | 5,58 ± 0,17 |
CSP = Cerveja sem pimenta; CCP = Cerveja com pimenta |
As cervejas artesanais de diversos tipos, produzidas na cidade de Piracicaba – SP, apresentaram entre 42,7 e 190,1 g L-1 de 3-metil-1-butanol[16]. Ao comparar a concentrações de 3-metil-1-butanol obtido na CCP e CSP (TABELA 2) foi possível constatar que a concentração obtida no presente estudo é inferior. A concentração do 3-metil-1-butanol influencia diretamente na sensação de quem consome a cerveja, pois ela se torna pesada, caso a concentração deste álcool esteja elevada[16]. Neste sentido, a baixa concentração do 3-metil-1-butanol pode ser positiva, entretanto, são necessárias análises sensoriais para avaliar essa questão.
O teor alcoólico obtido foi inferior ao obtido para a cerveja tipo Pilsner de O. selloi[2], contudo os valores obtidos ainda estão acima das obtidas para cervejas comerciais tipo Pilsner da Alemanha e Croácia[3].
Conclusão
A pimenta dedo-de-moça (Capsicum baccatum) adquirida no comércio local gerou um aumento no teor de compostos fenólicos e no potencial antioxidante sem afetar negativamente o teor alcóolico e cor da cerveja artesanal. A pimenta dedo-de-moça se mostrou uma possibilidade de uso desta espécie na produção de cervejas artesanais. Entretanto, é necessário a realização de análises sensoriais e de estabilidade durante o armazenamento, para que se torne uma perspectiva viável.
Agradecimentos
À FUNDECT (número de concessão 71/700.139/2018; 036/20108) CAPES código 001 para MSMS, e ao CNPq para CALC (número de concessão 311975/2018-6) e pela bolsa de iniciação científica (CNPq-UEMS-PIBIC) para TLAC.
Referências
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