REVISÃO / REVIEW

Medicamentos no Brasil: Entre Naturais e Sintéticos (1920 a 2000)

Medicines in Brazil: Between Natural and Synthetic (1920 to 2000)

https://doi.org/10.32712/2446-4775.2012.145

Fernandes, Tania Maria
Fundação Oswaldo Cruz/ Casa de Oswaldo Cruz; Avenida Brasil 4036/4° andar - CEP:22230-060 - Rio de Janeiro/ RJ- Brasil
*Correspondência:
fernandes.taniam@gmail.com

Resumo

A história da produção de medicamentos apresenta uma forte inflexão na década de 1940, com a introdução, no mercado mundial, de medicamentos sintéticos e ampliação e instalação, em vários países, de empresas de caráter multinacional em acordo com o modelo econômico, então implementado, colocando-as entre as mais rentáveis em escala global. No Brasil, a expansão dos laboratórios farmacêuticos nacionais, observada a partir de 1920, sofreu, neste contexto, significativa retração que levou o setor industrial químico-farmacêutico a um profundo esfacelamento, dada às opções políticas e econômicas do país pela transferência de tecnologia e não investimento na autonomia do setor. O crescimento das indústrias multinacionais consolidou, também, os processos de síntese para os produtos farmoquímicos, em substituição aos de origem natural. Mais recentemente, a obtenção de medicamentos através de métodos biotecnológicos, ganhou espaço, proporcionando novas mudanças na estrutura de produção e no mercado farmacêutico mundial. Neste estudo buscaremos analisar estes processos de mudança relacionando indústria e conhecimento científico dos produtos naturais e sintéticos nos contextos diferenciados.

Palavras chave:
História.
Brasil.
indústria farmacêutica.
plantas medicinais.
saúde..

Abstract

The history of drug production has a strong turnaround in the 1940s with the introduction into the world market of synthetic drugs and installation and expansion in several countries, multinational character companies in accordance with the economic model, then implemented, placing them among the most profltable on a global scale. In Brazil, the expansion of national pharmaceutical companies, observed since 1920, suffered in this context a significant decrease which led chemical and pharmaceutical industry to a deep break up, given the political and economic options of the country for technology transfer and not investment in the autonomy of the sector. The growth of multinational companies consolidated, too, the synthesis processes for the chemical pharmaceutical products, in place of natural origin. More recently, obtaining medicines through biotechnological methods, has gained ground, providing further changes in production structure and the global pharmaceutical market. This study aims to examine these processes of change relating industry and scientific knowledge of natural and synthetic products in different contexts.

Keywords:
History.
Brazil.
pharmaceutical industry.
medicinal plants.
health..

Introdução

A utilização terapêutica e preventiva de produtos originados do Reino vegetal pode ser detectada, em diferentes formas de organização social, constituindo-se como uma prática milenar associada aos saberes médicos, populares, como também a diversos rituais. Ao longo do Século XX, a extração de substâncias ativas, utilizadas para este fim, foi substituída pela síntese química de substâncias e moléculas, e o processo semi-artesanal de produção foi transformado em outro altamente industrializado. Esta transformação requereu a implantação de laboratórios especializados, o que provocou, no Brasil, uma forte mudança no setor químico-farmacêutico. A partir de meados da década de 1940, as indústrias farmacêuticas brasileiras foram, em sua grande maioria, substituídas por indústrias químico-farmacêuticas multinacionais com tecnologia aprimorada e estruturas econômico-financeiras de porte mundial. Estas induziram a desestruturação das empresas nacionais e impuseram ao setor um perfil dependente, tanto em matéria-prima, quanto em tecnologia. A partir da década de 1980 percebe-se uma forte tendência mundial à utilização de produtos naturais em várias áreas do consumo humano, inclusive naterapêutica, o que produziu ampliação e modificação do mercado internacional, com substituição paulatina do desenvolvimento de novos processos de síntese na área químico-farmacêutica (Fernandes, 2004).

No Brasil, a característica de transferência de tecnologia no setor farmacêutico e a conseqüente dependência apresentaram, ao final da década de 1990, uma expectativa de mudança no perfil industrial, ainda em processo lento e gradual. O conhecimento científico na área de plantas medicinais e de produtos naturais apresenta, desde a década anterior, significativa consolidação, apesar do setor industrial e comercial, ainda não absorverem, nem tão pouco, implementarem, de forma expressiva, a produção científica.

Primeiras indústrias farmacêuticas no Brasil: traços gerais

Até fins do Século XIX, as boticas1 ocupavam importante espaço na produção de medicamentos, no Brasil, sendo então substituídas por farmácias e pequenas indústrias. As farmácias manipulavam receitas médicas e comercializavam medicamentos industrializados, e as pequenas indústrias, com técnicas e fórmulas medicamentosas, dedicavam-se aos produtos compostos de extratos vegetais e minerais. O boticário, neste contexto, foi sendo substituído pelo farmacêutico, que já dispunha de formação profissional específica (Danusa, 2001; Fernandes, 2004; Gadelha, 1990).

Apesar das perspectivas de ampliação do setor farmacêutico, percebe-se, no país, o distanciamento da esfera pública, que desde o início do Século XX, como ressalta Jorge Bermudez, priorizou a área de imunoterápicos, em detrimento do setor industrial e de pesquisa em medicamentos, ficando com a empresa privada a responsabilidade pela implementação desse pólo industrial no país (Bermudez, 1995). Até a década de 1920 o Brasil contabilizava 452 indústrias nacionais em contraponto a 42 laboratórios estrangeiros (Danusa, 2001) responsáveis pela produção industrial do setor farmacêutico, quadro que se manteve em crescimento até a década seguinte, alterando-se, porém, substancialmente ao longo do século. Na cidade do Rio de Janeiro, existiam até aquele momento, 512 farmácias, 143 drogarias, 100 laboratórios e depósitos e 47 ervanárias.

O crescimento setor industrial farmacêutico no país foi observado até os anos de 1930, mesmo diante da parca gama de pesquisas e da falta de apoio do governo para a produção de substâncias medicamentosas e de matéria-prima química, o que propiciou, a partirda década de 1940, uma profunda dependência do Brasil em relação aos países de industrialização mais avançada, o que provocou desestruturação desse setor industrial brasileiro (Lucchesi, 1991).

A síntese de fármacos e a crise da indústria farmacêutica nacional

A alternativa brasileira de atuação do setor químico-farmacêutico, com o distanciamento entre produção industrial e pesquisa, não investimento na autonomia do setor e a opção pela transferência de tecnologia, inviabilizou a absorção e o aprimoramento das técnicas de produção sintética e de purificação de produtos para formulações farmacêuticas, que marcaram o setor no âmbito mundial a partir dos anos 1930. Nesse momento, nos países de economia avançada, as empresas responsáveis pela produção de medicamentos iniciaram sua transformação em indústrias de alta tecnologia e ocuparam o mercado internacional. Contribui para esse quadro, principalmente, a possibilidade de produção em larga escala dos medicamentos sintéticos, ao contrário do que ocorria com os produtos naturais e as plantas medicinais, que necessitavam de grandes áreas de plantio para extração, muitas vezes, de pequena quantidade de matéria-prima.

As indústrias nacionais atravessaram um processo de obsolescência, tanto no que diz respeito à composição do material a ser produzido, quanto, principalmente, às técnicas de produção adotadas, o que as levou ao desgaste e aniquilamento.

A Segunda Guerra Mundial, na década de 1940, favoreceu o esfacelamento do parque industrial europeu e tornou a indústria americana de medicamentos a maior responsável pela expansão da indústria farmacêutica mundial, além de propiciar a descoberta de novos produtos direcionados para as necessidades do conflito mundial. A mudança no processamento industrial favoreceu a entrada de capital estrangeiro, nos países com pequena capacidade industrial, através da implantação de filiais de empresas multinacionais no setor com desativação ou incorporação, inclusive, de algumas empresas nacionais a essas indústrias estrangeiras. (Gadelha, 1990; Bermudez, 1992, 1995; Danusa, 2001).

No Brasil, as empresas que permaneceram no mercado, o fizeram produzindo suas linhas tradicionais, investindo em medicamentos similares (já que o Brasil não reconhecia o direito de patentes para produtos farmacêuticos), ou se dedicaram à transformação e distribuição do produto importado em larga escala (Lucchesi, 1991).

Essa conjuntura, no que diz respeito à indústria farmacêutica nacional e internacional, pode ser apontada como um marco fundamental e determinante do perfil atual do setor. O professor Calixto, pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina, reconhecido por sua atuação na área de farmacologia, refere-se a esse momento como a “época da síntese”, ressaltando que depois da guerra “os Estados Unidos começaram a marchar fortemente na química e o Brasil perdeu essa chance” (Calixto, 1998).

No Brasil, alguns grupos de políticos e acadêmicos se pronunciaram em defesa do produto nacional. Na Câmara dos Deputados debates sobre o tema tiveram destaque e propostas legislativas foram elaboradas na tentativa de controle da falsificação de medicamentos, da ampla propaganda de produtos importados, e da ausência de controle na comercialização e importação destes produtos. Esses debates enfrentaram, também, a revisão do Código Farmacêutico Brasileiro2 em vigor, que se caracterizava pela valorização da biodiversidade do país com utilização de material vegetal para a produção de medicamentos e apontava para a perspectiva de conquista da auto-suficiência no setor com o emprego de substâncias nacionais. Este vigorou até 19453 e com sua modificação foi retirada de seu conteúdo grande parte dos produtos utilizados na farmácia tradicional e os originados de plantas nativas.

A ampliação do processo de síntese para a produção de fármacos caracterizou-se, ainda, pela reprodução de substâncias naturais isoladas e pela criação de novos produtos, o que requeria um aporte de pesquisa específica para inovação, um parque industrial capacitado para sua fabricação e um processo, também inovador, para avaliação da qualidade do produto.

A importação de matérias-prima e de produtos causava polêmica entre os que defendiam a facilitação da entrada destes produtos no país e os que questionavam e defendiam a proteção da indústria nacional. Esta disputa pode ser observada no início da década de 1950, diante da acusação de carência da falta de matérias-prima para a fabricação de penicilina e estreptomicina, pelos deputados Paulo Sarasate, Aziz Maron, o que foi contestado pelo diretor da Comissão de Exportação e Importação do Banco do Brasil/Cexim.

O conhecimento científico necessário para a produção dos novos produtos era incorporado às técnicas de processamento e à matéria-prima importadas, o que gerou um dos mais lucrativos ramos da indústria de transformação no Brasil, com um significativo deslocamento entre o ramo industrial e a pesquisa científica no país (Lucchesi, 1991). As empresas estrangeiras não investiam na produção de conhecimento local pois este chegava ao país como transferência de tecnologia agregada ao produto (Hasenclever, 2002). Assistiu-se, desta forma, em função deste processo vivenciado no país, a uma decisiva desnacionalização da indústria farmacêutica no Brasil, com expansão de empresas multinacionais e conseqüente declínio das pesquisas voltadas para a busca de inovações tecnológicas para a produção de medicamentos. O país, nesse setor industrial, tornou-se, a partir de então, um mero envasador de medicamentos, dependente das indústrias multinacionais, com importação de matéria-prima, fórmulas, equipamentos e, também, de recursos humanos especializados. As atividades de P&D na área qufmicofarmacêutica, no Brasil, neste momento, voltaram-se prioritariamente para a caracterização de insumos e o controle de qualidade, em detrimento da elaboração de novos fármacos e produtos químicos (Fernandes, 2004; Hasenclever, 2002).

A política desenvolvimentista que marcou o início da década de I960, apesar de ainda se definir como conservadora e alinhada com os interesses dos EUA, apresentava uma proposta externa independente, prevendo maior controle dos investimentos estrangeiros no país, o que impulsionou a elaboração de projetos que vislumbravam a nacionalização da indústria farmacêutica. Em meados de 1961, em conseqüência das críticas formuladas e do nacionalismo crescente, foi constituída uma Comissão Parlamentar de Inquérito “para investigar o comportamento da indústria farmacêutica nacional e a comercialização dos medicamentos no país”. O objetivo da CPI consistia, principalmente, em investigar a progressiva absorção das indústrias nacionais pelos “grupos monopolistas internacionais”, o aumento dos custos dos medicamentos e a produção de novas formulações medicamentosas identificadas como produtos similares aos já existentes. Destacava, neste conjunto, a “liberalidade excessiva dos órgãos de fiscalização e controle” que era apontada em denúncias de falsificação de alguns produtos comercializados no âmbito deste setor.

Em dezembro de 1962 foram aprovadas as sugestões e conclusões da CPI. A falta de apoio governamental às indústrias nacionais, a utilização de bonificações que elevavam os preços dos produtos, a carência de pesquisa nos laboratórios, e a legislação de patentes desfavorável foram fatores apontados para a desnacionalização do setor no país. Como responsável por este quadro identificava-se a desatualização da legislação farmacêutica, que não acompanhou a evolução técnica do setor, e a inoperância do Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia.

O XV Congresso Brasileiro de Higiene, realizado em Recife, também se constituiu como um espaço de discussão sobre a indústria farmacêutica no país e o subdesenvolvimento econômico brasileiro, com debates sobre o processo de desnacionalização do setor e o monopólio da comercialização por grupos estrangeiros.

Em várias sessões da Câmara este tema foi abordado e alguns deputados defendiam posições e fomentavam discussões importantes. Ainda no mês de Janeiro de 1963, o deputado Campos Vergai apresentou ao plenário da Câmara uma comunicação sobre os laboratórios nacionais, observando que estes estavam “sufocados, esmagados pelas organizações farmacêuticas, drogarias e grandes laboratórios estrangeiros”. Neste sentido, caracteriza as empresas estrangeiras como “vampiros internacionais”, acusando-as de carregarem para o país de origem as vantagens por eles produzidas no Brasil. Alguns tópicos relacionados a fatores de âmbito econômico e de mercado associados ao controle e majoração de preços de medicamentos eram pontos polêmicos em discussão na Comissão de Defesa e Desenvolvimento da Indústria Nacional.

As críticas à situação do setor eram formuladas, também nos centros acadêmicos e faculdades de medicina que elaboraram um “memorial”, apresentado no plenário da Câmara em julho de 1963 que conclamava a categoria médica a se mobilizar prestando apoio aos laboratórios nacionais com preferência “aos bons produtos dos bons laboratórios realmente nacionais”. As propostas formuladas durante a presidência de João Goulart, caracterizadas como “reforma de base”, assumiam um formato de desenvolvimento com atuação autônoma e ampliação dos recursos econômicos, políticos e sociais do país, com inclusão da questão relativa à produção e comercialização de medicamentos. Em setembro de 1963 foi criado o Grupo Executivo da Indústria Químico-Farmacêutica (GEIFAR), que apontava como preocupação a expansão da indústria no setor, e estabelecia diretrizes baseadas, principalmente, na substituição de importações para reduzir gastos em moeda estrangeira e na facilitação do acesso a matérias primas pela indústria nacional. Estas propostas visavam favorecer a ampliação da produção e a redução do custo de medicamentos.

O perfil e a formação dos profissionais da área médica ligados ao conhecimento, produção e utilização dos princípios ativos, apresentaram desde a década de 1940, redirecionamento específico, pois os medicamentos chegavam ao Brasil praticamente prontos. A maioria desses profissionais passou a desconhecer a composição e os princípios de manipulação do medicamento, com atuação garantida em conhecimentos sobre a ação terapêutica do composto. Passou-se a valorizar o propagandista, que, em geral, era um farmacêutico que divulgava o medicamento através do conteúdo da bula e de folhetos de marketing. O curso de farmácia, por exemplo, afastou-se da área de produção de medicamentos de origem vegetal, voltando-se, fortemente, para a formação na área de análises clínicas. Os médicos, em sua maioria, passaram a reconhecer o medicamento como um composto pronto, sendo incapazes, pela própria formação, de compor uma fórmula medicamentosa, principalmente quando se tratava de produtos naturais manipuláveis. Neste contexto, as plantas medicinais caíram em desuso e descrédito, pois os profissionais não tinham condições técnicas de manipulá-las, nem tampouco conhecimento clínico para utilizá-las.

Os temas associados à produção de medicamentos e à aplicação de produtos de origem vegetal foram atualizados em fóruns acadêmicos amplos ou de representação de grupos profissionais específicos. No que tange aos produtos vegetais destacam-se os Simpósios de Plantas Medicinais do Brasil que congregam cientistas e estudantes da área desde a década de I960. Além de problemáticas científicas, estes fóruns enfrentam questões políticas importantes como a propriedade industrial e intelectual e a lei de patentes para produtos químico-farmacêuticos, inclusive fitoterápicos, a legislação federal de normatização do registro e controle de fitoterápicos e produtos de origem vegetal e as experiências e possibilidades de articulação entre a indústria farmacêutica e a universidade.

O debate internacional em torno da globalização econômica e da modernização tecnológica, nas décadas de 1980 e 1990, gerou várias mudanças e acordos mundiais. No Brasil, impulsionou a revisão do Código de Propriedade Industrial4 com base em interesses de vários grupos, corporativos, acadêmicos, empresariais e políticos, onde os acordos entre Brasil e EUA foram decisivos. No âmbito das instituições de pesquisa e das universidades, a biotecnologia e a indústria farmacêutica, acionaram argumentos e temas que propiciaram a atualização dos debates e a aproximação entre geração de conhecimento científico e setor industrial.

O início da convivência entre Universidade e empresa

A conjuntura criada pela aprovação da Lei de Patentes, a carência de recursos financeiros para a pesquisa universitária e a fragilidade da indústria nacional no setor químico-farmacêutico que, sobretudo, não dispõem de laboratórios de pesquisa científica, favoreceu o início de novos debates no espaço acadêmico que passou a buscar diálogo com o setor industrial, ainda de forma bastante discreta e pontual.

Este novo espaço de estabelecimento de acordos inclui, ao menos, duas questões antagônicas: a propriedade industrial e a divulgação pública do conhecimento científico. A exigência do segredo patentário estabelece este antagonismo pois o pesquisador, para conquistar o direito de patente, fica impossibilitado legalmente de publicar seus resultados ou apresentá-los em eventos científicos. Tal medida traz para ele problemas de legitimação e reconhecimento acadêmicos, além de dificuldades ante as agências de fomento, responsáveis pela manutenção das pesquisas científicas em vários setores no Brasil.

Mesmo diante desta questão pode-se observar, no Brasil, no último quartel a busca de parcerias entre empresa e universidade com vistas à ampliação dos produtos patenteáveis no setor. Esse movimento de aproximação entre universidade e indústria, no Brasil, é ainda bastante discreto, ocorrendo de forma espontânea e individual, já que não há incentivo governamental para tais parcerias. Pode-se destacar, com essa perspectiva de desenvolvimento de pesquisa articulada, a ação de alguns laboratórios farmacêuticos nacionais como Aché, Biossintética, Herbarium e Laboratório Catarinense. Segundo o professor Calixto (UFSC), essas empresas “estão querendo crescer nesta área e estão olhando para o mercado internacional”, no qual destaca o Mercosul, como porta de entrada ou de saída, visualizando o mercado de plantas medicinais brasileiras como promissor. Quanto ao crescimento dessas empresas para ingresso nesse mercado, Calixto ressalta ainda, a necessidade de treinamento, sugerindo a aproximação com os cursos de pós-graduação para que a indústria tenha interlocutores capacitados, pois o empresário e o cientista tem interesses diferentes e dificuldade em estabelecer objetivos consensuais (Calixto, 1998).

A parceria entre indústria farmacêutica nacional e universidade dá-se através das técnicas de análise, em geral voltadas para o controle de qualidade. A experiência com investimento em pesquisa, está ainda iniciando. Com relação a essa parceria, Paulo Barragat, químico da área de tecnologia em fármacos, com trajetória ligada à origem da indústria estatal, Far-Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz, chama atenção para outra questão que diz respeito ao preconceito no interior das universidades. Ressalta que “as universidades são muito fechadas e a própria legislação atrapalha, porque, até bem pouco tempo, um professor não podia dar assessoria a uma empresa que era mal visto” (Barragat, 1996).

A atualização do tema entre os pesquisadores traz também, para alguns, a reflexão de que a falta de reconhecimento de patentes no setor farmacêutico provocava um isolamento do país perante a comunidade internacional. Além disso, é importante ressaltar a ausência de esclarecimento do pesquisador na universidade quanto ao potencial de comercialização de sua pesquisa, o que está sendo minimizado pela formação de escritórios de patentes nas instituições para assessorá-los.

A perspectiva de estabelecimento dessas novas parcerias pode tornar possível, também, a ampliação de investimentos na área de produtos de origem vegetal, que vem se expandindo em diversos países nas duas últimas décadas. O Brasil, apesar de apresentar hoje um significativo número de pesquisadores, lotados em instituições universitárias e de pesquisa, que desenvolvem projetos em diferentes áreas de investigação acadêmica sobre produtos de uso terapêutico, possui, ainda, poucos interessados no patenteamento desses produtos e de processos terapêuticos.

A carência de uma política governamental brasileira direcionada à indústria químico-farmacêutica nacional associada à implantação de empresas multinacionais voltadas para a produção de medicamentos sintéticos, se estabeleceu como um obstáculo à utilização de produtos naturais no país. Mesmo o incremento à pesquisa científica observado, a partir da década de I960, não favoreceu a mudança deste quadro por não estar articulado ao setor produtivo. Fortaleceu-se a formação de recursos humanos e garantiu-se ao país consolidado conhecimento científico que se manteve na Universidade e nos centros de pesquisa sem alterar, significativamente, o setor farmacêutico nacional, que se mantém, praticamente, estagnado e dependente das relações estabelecidas com as empresas multinacionais, garantindo, ainda, os interesses pactuados no setor industrial nacional e internacional.

Referências

Barragat, P. Entrevista. 1996 - Projeto: “Plantas medicinais: história e memória da pesquisa e da política científica no Brasil”, Casa de Oswaldo Cruz/ Fiocruz. Acervo DAD/COC.

Bermudez, J. 1992 - Remédio: saúde ou indústria? A produção de medicamentos no Brasil. Relume-Dumará, Rio de Janeiro.

Bermudez, J. 1995 - Indústria Farmacêutica, Estado e Sociedade: crítica da política de medicamentos no Brasil. Hucitec, São Paulo.

Calixto, J. B. Entrevista. 1998 - Projeto: “Plantas medicinais: história e memória da pesquisa e da política científica no Brasil”, Casa de Oswaldo Cruz/ Fiocruz. Acervo DAD/COC.

Danusa, M.O Remédio fitoterépico no Brasil. Disponível em: <http://orbita.starmedia.com/~mara_danusa/index.html>. Acesso em: 15jan. 2001.

Fernandes, T. M. 2004 - Plantas Medicinais: memória da ciência no Brasil. Ed Fiocruz, Rio de Janeiro.

Gadelha, C.A.G. 1990 - Biotecnologia em saúde: um estudo da mudança tecnológica na indústria farmacêutica e das perspectivas de seu desenvolvimento no Brasil. Dissertação (Mestrado). Instituto de Economia, Unicamp, Campinas.

Hasenclever, L. 2002 - Diagnóstico da indústria farmacêutica brasileira. Relatório de pesquisa do projeto diagnóstico do setor farmacêutico: proposta de acompanhamento de preços (nº 914BRZ58). Instituto de Economia-UFRJ. UNESCO.

Lucchesi, G. 1991 - Dependência e autonomia no setor farmacêutico: um estudo da Cerne. 350p. Dissertação (Mestrado) - Escola Nacional de Saúde Pública, Fiocruz, Rio de Janeiro.