ARTIGO DE PESQUISA

Monitoramento de patentes como fonte de informações estratégicas sobre medicamentos com matéria-prima da biodiversidade

Patent monitoring as a source of strategic information on medicines with raw materials from biodiversity

https://doi.org/10.32712/2446-4775.2023.1521

Oliveira, Ana Claudia Dias de1,2*
ORCID https://orcid.org/0000-0002-4250-1036
Nogueira, Marcelo2
ORCID https://orcid.org/0000-0001-8897-4253
1Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades – ABIFINA, Av. Churchill, 129, Sala 1201, Centro, CEP 20020-050, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
22PhD Consultoria, Rua Marquês de Abrantes, 19, Sala 901, Flamengo, CEP 22230-060, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
*Correspondência:
consultoria.tecnica@abifina.org.br

Resumo

O sistema de patentes é estratégico para indústrias e instituições de pesquisa. Apesar de a Lei de Propriedade Industrial brasileira vedar o patenteamento de seres vivos e partes dos mesmos, há brechas para proteger inovações com matéria-prima da biodiversidade. Com o objetivo de apresentar um panorama das invenções farmacêuticas envolvendo a biodiversidade, foi realizada uma busca na base de dados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial de produtos e processos farmacêuticos com princípios ativos oriundos de vegetais, animais e microrganismos. Os resultados mostraram que empresas e universidades têm depositado pedidos de patentes reivindicando extratos, composições farmacêuticas e processos de obtenção inovadores a partir da biodiversidade.

Palavras-chave:
Patentes.
Biodiversidade.
Medicamentos.

Abstract

The patent system is strategic for industries and research institutions. Although the Brazilian Industrial Property Law prohibits the patenting of living beings and their parts, there are loopholes to protect innovations with raw materials from biodiversity. In order to present a panorama of pharmaceutical inventions involving biodiversity, a search was conducted in the database of the Brazilian National Institute of Industrial Property of pharmaceutical products and processes with active ingredients derived from plants, animals and microorganisms. The results showed that companies and universities have filed patent applications claiming extracts, pharmaceutical compositions and innovative processes for obtaining them from biodiversity.

Keywords:
Patents.
Biodiversity.
Drugs.

Introdução

O sistema de patentes é uma fonte considerável de informações estratégicas, tanto para indústrias como para universidades e instituições de pesquisa. O uso do sistema de patentes traz diversas vantagens, como dados técnicos de produtos e processos, coleções contendo documentos completos depositados em todos os escritórios de Propriedade Industrial do mundo e as informações mais recentes em relação ao estado da técnica. Mas, para que a propriedade intelectual possa auxiliar no desenvolvimento de pesquisas, deve ser feita uma busca em bases de patentes e em bases de artigos para verificar o que já existe sobre a tecnologia de interesse.

No Brasil, para uma patente ser concedida, tem que preencher todos os requisitos de patenteabilidade presentes na Lei de Propriedade Industrial (LPI), Lei nº 9.279/96, que são novidade, atividade inventiva e aplicação industrial[1]. A invenção e o modelo de utilidade são considerados novos quando não compreendidos no estado da técnica. O estado da técnica é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior. A invenção é dotada de atividade inventiva sempre que, para um técnico no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da técnica. Além disso, para serem considerados suscetíveis de aplicação industrial as invenções devem ser utilizadas ou produzidas em qualquer tipo de indústria.

A LPI ainda estabelece o que não é considerado invenção no Brasil. Em relação às tecnologias farmacêuticas contendo biodiversidade, os artigos 10 e 18 estabelecem que não são considerados invenções e/ou não são patenteáveis no Brasil os métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal e o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive  o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais, exceto os microrganismos transgênicos que atendam aos requisitos de patenteabilidade.

No caso de produtos e processos que contenham matéria-prima da biodiversidade brasileira ou conhecimento tradicional associado à biodiversidade brasileira, a atividade de pesquisa e/ou de desenvolvimento tecnológico deve ser cadastrada no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SISGEN), previamente ao depósito do pedido de patente no INPI[2].

Dentro do escopo de prospecção tecnológica em um mundo globalizado e com um ritmo acelerado de geração de informações, surge a necessidade de desenvolver a habilidade para usar o conhecimento para buscar uma posição competitiva no mercado. Essa busca traz benefícios como acesso ao conhecimento sobre tecnologias semelhantes, acesso ao conhecimento de outras aplicações da tecnologia pesquisada, monitoramento de tecnologias concorrentes, monitoramento de pesquisas publicadas na literatura acadêmica, acesso e previsibilidade sobre novas tecnologias, verificação da relevância da própria pesquisa e direcionamento adequado de projetos de pesquisa e desenvolvimento.

Os monitoramentos de patentes são importantes para a busca de informações para pesquisas embrionárias, prospecção de novos negócios, busca de soluções alternativas, visibilidade de prazos para atuação administrativa no INPI e visibilidade para parcerias e transferências de tecnologias. Na área da pesquisa acadêmica, as informações patentárias possibilitam o conhecimento prévio dos insumos utilizados nas formulações protegidas, conhecimento das concentrações testadas e utilizadas, conhecimento qualitativo e quantitativo das etapas dos processos de obtenção, problemas já enfrentados pela indústria e possibilidade de indicação das melhores rotas e das pesquisas mais promissoras. Na área de novos negócios, as patentes trazem insights sobre produtos e processos, dados da concorrência e possibilidades de projetos livres para atuação no setor. Com a informação disponível, é possível obter um cenário para encontrar saídas para não infringir patentes de terceiros, através de tecnologias livres de proteção que tenham sido indeferidas, arquivadas ou extintas e através do conhecimento prévio das tecnologias protegidas.

Dentro deste contexto, o objetivo deste artigo foi apresentar um panorama das patentes contendo invenções farmacêuticas envolvendo a biodiversidade depositadas no Brasil.

Metodologia

Foi realizada uma busca na base de dados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial de produtos e processos farmacêuticos com princípios ativos oriundos de vegetais, animais e microrganismos.

A busca foi realizada utilizando a Classificação Internacional de Patentes (CIP) e palavras-chaves. Foi elaborada uma planilha contendo os dados de mais de 1.000 documentos de patentes depositados no Brasil de 1996 até os dias atuais. A planilha de dados incluiu, ainda, o país depositante, a data de depósito, o escopo de proteção, as espécies da biodiversidade utilizadas, o status atual no INPI e a data de vigência das patentes concedidas. A principal limitação da busca foi a fase de sigilo (18 meses da data de depósito) dos documentos de patentes.

Resultados e Discussão

A busca de documentos de patentes foi realizada na página de buscas do INPI, utilizando como ferramentas a Classificação Internacional de Patentes e palavras-chaves.

A busca realizada gerou cerca de mil patentes de medicamentos contendo biodiversidade como matéria-prima, que foram depositados no INPI do Brasil. As patentes encontradas foram depositadas no período de março de 1996 a dezembro de 2021.

A planilha resultante gerou um produto encomendado por uma associação industrial com interesse no setor farmacêutico[3]. Outros monitoramentos setoriais foram elaborados pela autora para universidades e empresas, mostrando o interesse do mercado neste tipo de informação. Os documentos de patentes encontrados contêm a biodiversidade como princípio ativo dos produtos farmacêuticos e não como meros excipientes ou veículos farmacêuticos. É interessante ressaltar, ainda, que a biodiversidade constituinte dos produtos farmacêuticos reivindicados nas patentes é oriunda de vegetais, animais e microrganismos. Como exemplos, pode-se citar extratos oriundos de moluscos, hemoglobina reptiliana, compostos oriundos de tunicados marinhos, extratos e óleos vegetais, extratos de fungos, dentre outros.

Como pode ser observado na FIGURA 1, abaixo, as instituições brasileiras foram as que depositaram mais patentes no INPI. Após o Brasil, o segundo país a depositar mais patentes farmacêuticas contendo biodiversidade foi o Estados Unidos da América, que depositou cerca de 100 patentes.

FIGURA 1: Depósitos de pedidos de patentes do setor farmacêutico contendo biodiversidade no INPI.
Figura 1
Fonte: Elaboração dos autores.

Em relação ao status dos documentos de patentes depositados, é importante analisar como está o processamento administrativo no INPI. As patentes concedidas possuem 20 anos de proteção, contados a partir da data de depósito no Brasil ou da data de depósito do documento de prioridade reivindicado.

Os pedidos de patentes indeferidos, arquivados ou extintos trazem informações de tecnologias em domínio público, no que diz respeito às características qualitativas e quantitativas reivindicadas. É importante ter em mente que esses documentos indeferidos, arquivados ou extintos não contém necessariamente tecnologias de má qualidade ou não patenteáveis. Muitas vezes, o pedido de patente não preenche os requisitos e condições de patenteabilidade, principalmente atividade inventiva e suficiência descritiva. Porém, essas informações estão livres para uso e devem ser consideradas na prospecção tecnológica, pois trazem características técnicas e testes já realizados pela concorrência, que podem reduzir o tempo e o custo das pesquisas.

Dos documentos depositados, cerca de 500 documentos ainda está em exame no INPI. Foram cerca de 300 patentes concedidas e cerca de 250 extintas, arquivadas ou indeferidas (FIGURA 2).

FIGURA 2: Status dos pedidos de patentes do setor farmacêutico contendo biodiversidade depositados no INPI.
Figura 2
Fonte: Elaboração dos autores.

Como pode ser observado pelos resultados alcançados, os pesquisadores, tanto de indústrias, como de instituições de pesquisa e universidades, têm depositado pedidos de patentes farmacêuticas com matéria-prima da biodiversidade. Essa é uma excelente oportunidade para o Brasil, porque, além de ser o país mais megabiodiverso do mundo, o Brasil tem apresentado um cenário de busca crescente de inovações farmacêuticas.

Os resultados mostraram que ainda há lacunas de oportunidades no uso da biodiversidade para produção de medicamentos e vacinas. Quando observadas as patentes farmacêuticas contendo biodiversidade, a tendência é acreditar que os produtos obtidos são apenas medicamentos fitoterápicos. Mas não é esse o cenário encontrado. Os resultados mostram que os insumos oriundos de animais e microrganismos também podem ser utilizados como fonte de matéria-prima para produtos farmacêuticos com excelentes resultados e, ainda, com redução dos efeitos colaterais vistos em produtos sintéticos.

Através dos monitoramentos de pedidos de patentes e patentes concedidas, é possível visualizar o cenário concorrencial e os direcionamentos que estão sendo construídos para as pesquisas em desenvolvimento. Essas informações ainda são capazes de trazer indícios de tendências industriais, que podem ocasionar na redução do tempo e do custo para futuros desenvolvimentos tecnológicos.

Conclusão

Através dos resultados apresentados, fica evidente a importância do uso de insumos vegetais, animais e de microrganismos, não só para alcançar soluções tecnológicas, como também para auxiliar na criação e na continuidade de políticas públicas voltadas para a cadeia produtiva da biodiversidade.

Fontes de Financiamento

Nenhum.

Conflito de Interesses

Não há conflito de interesses.

Colaboradores

Concepção do estudo: ACDO
Curadoria dos dados: ACDO; MN
Coleta de dados: ACDO; MN
Análise dos dados: ACDO; MN
Redação do manuscrito original: ACDO; MN
Redação da revisão e edição: ACDO.

Referências

1. Brasil. Congresso Nacional. Lei nº 9.279, de 14 de maio 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Diário Oficial da União, Brasília, 15 de maio de 1996. [https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=642068].

2. Brasil. Congresso Nacional. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 17 de março de 2015. [https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=13105&ano=2015&ato=c61QTS65UNVpWTc75]

3. Oliveira ACD. Mapeamento de Medicamentos da Biodiversidade (MPP Bio). In: ABIFINA (2020). Disponível em: [http://www.abifina.org.br/mpp-bio.php].