ARTIGO DE PESQUISA
Estruturação de uma horta medicinal na Farmácia Universitária da Universidade de São Paulo a partir de necessidades em saúde da comunidade
Creation of a medicinal garden at the University Pharmacy of the University of São Paulo guided by the health needs of the local community
Resumo
Desde o início dos tempos as plantas medicinais são empregadas como recurso terapêutico por diversos povos, sendo consideradas hoje uma importante ferramenta para o cuidado ao paciente. A Farmácia Viva é uma iniciativa notável para a ampliação e a qualificação do uso da fitoterapia no Brasil e compartilha com a Farmácia Universitária da Universidade de São Paulo (FARMUSP) alguns dos seus principais valores, uma vez que ambas têm espaço para atividades multidisciplinares que se propõem a aprimorar o bem-estar e a qualidade de vida da comunidade. Com isso, o objetivo desse trabalho foi de planejar e materializar uma horta de plantas medicinais seguindo o modelo de uma Farmácia Viva I na FARMUSP. O planejamento da horta foi feito a partir de uma pesquisa para investigar as demandas em saúde da comunidade local e de uma revisão da literatura que apontou as espécies mais adequadas. Foram escolhidas 28 espécies, que foram plantadas na horta por meio da Liga de Plantas Medicinais da USP (LAPLAM-USP). Concluiu-se que o projeto aumentou as ferramentas para educação em saúde a partir da FARMUSP e da LAPLAM-USP, visto que já suscitou atividades com estudantes e que poderá suscitar ainda diversos trabalhos sociais com a comunidade.
- Palavras-chave:
- Plantas medicinais.
- Fitoterapia.
- Faculdades de Farmácia.
- Promoção do Bem-estar.
- Plantas Cultivadas.
Abstract
Medicinal herbs are widely used to treat diseases since the beginning of time and they are today an important patient care tool. The project "Farmácia Viva" is a notorious initiative to expand and qualify the use of medicinal herbs in Brazil. The project shares with the University Pharmacy of the Faculty of Pharmaceutical Sciences of the University of São Paulo (FARMUSP) some of their main objectives, since both carry out multidisciplinary activities that aim to improve the well-being and the quality of life of the local community. Thus, this project aimed to create a medicinal plant garden based on the "Farmácia Viva Type 1" at FARMUSP. The garden was structured based on a survey to understand the health needs of the local community and on a literature review to identify the most suitable species. 28 species were chosen and planted in the garden by the Medicinal Plants Academic League of the University of São Paulo (LAPLAM-USP). The project increased the range of tools for health education through FARMUSP and LAPLAM-USP, since it has already raised activities with students and can raise various social works with the community in the future.
- Keywords:
- Plants.
- Medicinal.
- Brazil.
- Universities.
- Gardens.
- Quality of Life.
Introdução
O uso da natureza como ferramenta para o cuidado à saúde acompanha a evolução da humanidade desde os tempos mais remotos. Atualmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera as plantas medicinais um importante instrumento da assistência farmacêutica e expressa a necessidade de valorizar a sua utilização, já que cerca de 70% a 90% da população pode depender delas no que se refere à Atenção Primária à Saúde, como nos países em desenvolvimento; ou as utiliza sobre a denominação de complementar, alternativa ou não convencional, como em países já industrializados[1].
A partir de conhecimentos tradicionais de diferentes povos, no Brasil estima-se que cerca de 82% da população utiliza produtos à base de plantas medicinais no seu cuidado à saúde, seja com base em conhecimentos tradicionais e no uso popular ou por meio de sistemas oficiais de saúde[1]. O Brasil é conhecido por ser o detentor da maior biodiversidade no mundo, mas, apesar de toda a biodiversidade existente em seu território, o potencial de uso das plantas como medicamentos ou como fonte de novos medicamentos ainda é pouco explorado. No País, com cerca de 55 mil espécies de plantas angiospermas, mais de 20 mil espécies de plantas endêmicas e cerca de 232 etnias diferentes de grupos indígenas com saberes milenares acerca de plantas medicinais[2], até 2006 havia relatos de investigação de apenas 0,4% da flora[1]. Porém, ainda que o potencial seja pouco explorado, existem algumas iniciativas no País que visam o desenvolvimento da fitoterapia.
Em meados dos anos 1960, diversos programas passaram a ser implementados pelo mundo acerca das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICs)[2] e, no Brasil, não foi diferente. A fitoterapia foi reconhecida oficialmente no País nos anos 1970, sendo englobada nas PICs[2], nas quais estão incluídos sistemas médicos complexos e recursos terapêuticos que envolvem abordagens que estimulam mecanismos naturais de prevenção e recuperação da saúde por meio de tecnologias eficazes e seguras, com foco na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade, na visão ampliada do processo saúde-doença, especialmente do autocuidado[3]. Neste contexto, a fitoterapia encontra-se como uma importante prática complementar ao cuidado à saúde, já que apresenta a interação entre saberes e parcerias nos cuidados, o fortalecimento do vínculo dos usuários e da comunidade com as equipes de saúde e o aumento da participação popular, da autonomia dos usuários e do cuidado integral em saúde[3].
Dentre os programas governamentais que visam a ampliação e a qualificação do uso dos fitoterápicos no País, a Farmácia Viva, que foi instituída com a publicação da Portaria GM nº 886[4], foi um importante marco para o desenvolvimento do uso institucional da fitoterapia no Brasil. A Farmácia Viva foi criada para devolver a ciência das plantas medicinais para a comunidade, levando o ensinamento do seu uso seguro para a população, tendo como objetivo oferecer, sem fins lucrativos, assistência farmacêutica fitoterápica às comunidades por meio da promoção do uso correto de plantas de ocorrência local ou regional, dotadas de atividade terapêutica cientificamente comprovada[3].
Segundo a portaria que a instituiu, a Farmácia Viva deve realizar todas as etapas, desde o cultivo, a coleta, o processamento, o armazenamento de plantas medicinais, a manipulação e a dispensação de preparações magistrais e oficinais de plantas medicinais e fitoterápicos[4]. Existem três modelos de Farmácia Viva definidos de acordo com seu nível de complexidade, sendo a Farmácia Viva I destinada à instalação de hortas de plantas medicinais e disponibilização de plantas medicinais in natura; a Farmácia Viva II destinada à disponibilização de drogas vegetais (plantas secas); e a Farmácia Viva III destinada à preparação de medicamentos fitoterápicos; podendo os modelos mais complexos englobarem as demais etapas de cultivo e secagem das plantas se assim desejarem[3].
As Farmácias Vivas são espaços valiosos para a promoção e o cuidado integral à saúde, já que, além da fitoterapia ser comprovadamente eficaz e segura como tratamento ou complemento do tratamento de determinadas condições, elas surgem como uma oportunidade de devolver à população sua autonomia nos seus cuidados à saúde. Isso porque, além de disponibilizar as plantas e/ou fitoterápicos, as Farmácias Vivas divulgam informações e orientações essenciais para o uso seguro das plantas medicinais e configuram-se como um espaço possível de trocas de conhecimentos acerca do uso das plantas medicinais com a comunidade, sendo esse ponto importante tanto para o cuidado integral à saúde, quanto para o avanço do conhecimento sobre as plantas medicinais.
Existem ainda diversas iniciativas de hortas de plantas medicinais em universidades do Brasil, nas quais há ainda o ganho da esfera didática. As hortas didáticas de plantas medicinais têm o propósito de incentivar a formação e a capacitação para o desenvolvimento de pesquisas, tecnologias e inovação em plantas medicinais e fitoterápicos, reiterados pela Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos [5-6], por encontrarem-se como ambientes propícios para discussões informativas e formativas sobre fitoterapia também para futuros profissionais, já que se configuram como espaços de formação interdisciplinares, com interlocução entre saberes que garantam o reconhecimento de práticas populares e o fomento à pesquisa com manejo sustentável da biodiversidade[6].
Enquadrando-se como um espaço de saúde no ambiente universitário, a Farmácia Universitária da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FARMUSP) foi uma das primeiras Farmácias-Escola do Estado de São Paulo. Até 2008, as atividades da FARMUSP eram voltadas para a dispensação e a manipulação de medicamentos (modelo tradicional). Porém, a partir do ano seguinte, teve início da discussão sobre a construção de um novo modelo de atuação, considerando-se a tendência mundial de tratamento humanístico ao paciente (modelo biopsicossocial), que leva em consideração a importância da formação do farmacêutico para atuar como membro da equipe de saúde em todos os níveis de atenção à saúde[7].
Neste modelo, a FARMUSP passa a ter como missão propor ações para implementar a Assistência Farmacêutica, com ênfase no Cuidado Farmacêutico, visando à integração do farmacêutico na equipe de saúde, promovendo o uso racional de medicamentos no contexto multidisciplinar. O modelo segue enfatizando o desenvolvimento de programas de capacitação do profissional com um cenário de prática para o ensino, a pesquisa e as atividades voltadas à comunidade (extensão universitária), tendo como foco o atendimento humanizado ao paciente. Dentre os diversos espaços que constituem este novo modelo da FARMUSP, encontra-se o "Espaço do Idoso", que se trata de uma área externa, contígua à FARMUSP, destinada à realização de atividades multidisciplinares que visam a melhoria da qualidade de vida da comunidade[7]. Sendo assim, observa-se uma relação importante entre o modelo atual da FARMUSP e o projeto idealizado das Farmácias Vivas, já que ambos promovem atividades multidisciplinares com o objetivo de promover o bem-estar da comunidade.
Com isso, levando em conta também a urgência da educação e valorização da utilização da fitoterapia no âmbito sanitário, sobretudo na Atenção Básica à saúde[3]; o Espaço do Idoso da FARMUSP enquadra-se como um espaço de interesse para o desenvolvimento de projetos como as Farmácias Vivas e as hortas didáticas de plantas medicinais. Portanto, o objetivo deste trabalho foi de estruturar uma horta de plantas medicinais no Espaço do Idoso da FARMUSP nos moldes de uma Farmácia Viva de tipo I, ou seja, foi planejada e materializada uma horta com as ferramentas necessárias para suprir as demandas em saúde da comunidade que será assistida, de acordo com o uso seguro de plantas medicinais, tendo como objetivo fortalecer o vínculo com a equipe da FARMUSP, promover o cuidado integral e a autonomia no cuidado à saúde daqueles que a utilizam.
Material e Métodos
Pesquisa com a comunidade
Para que fosse possível a estruturação da horta, foi realizada em um primeiro momento uma pesquisa com pessoas pertencentes à comunidade que frequenta o campus Butantã da USP para mapear como se constitui essa comunidade, a sua relação com o uso de plantas medicinais, as plantas medicinais por eles utilizadas em sua rotina e as suas principais necessidades e demandas para a recuperação da sua saúde no seu dia-a-dia.
Aspectos éticos
A pesquisa foi previamente aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade São Paulo (CAAE: 51752021.9.0000.0067).
Desenho, local do estudo e período
Foi realizada uma pesquisa descritiva com participantes acima de 18 anos pertencentes à comunidade da Universidade de São Paulo (USP), sendo divulgada pelas redes sociais e plataformas digitais, como páginas no Facebook, Instagram, pelo WhatsApp e por e-mail. O questionário foi divulgado na página do Diretório do Centro Acadêmico (DCE), Centros Acadêmicos de diversas faculdades, na página do Facebook de funcionários técnicos administrativos da Universidade de São Paulo (USP), entidades da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), em grupos dos Whatsapp de projetos de extensão e ligas acadêmicas da área da saúde, no grupo da Farmácia Clínica do Hospital Universitário da USP, pelo e-mail da graduação da FCF, com pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública, entre outros meios virtuais. A pesquisa foi realizada a partir de outubro de 2021 e aceitou respostas até abril de 2022.
Amostra e critérios de inclusão e exclusão
Puderam participar do estudo todas as pessoas acima de 18 anos que pertenciam à comunidade USP da capital de São Paulo, sendo o número de participantes da pesquisa ilimitado. O critério de inclusão foi delimitado a partir da idade (maiores de 18 anos) e alfabetização, uma vez que os participantes deveriam ler e responder o questionário virtualmente, bem como pela relação estabelecida com a USP. Os participantes que não cumpriram estes requisitos, ou seja, não eram maiores de 18 anos ou não estabeleciam nenhuma relação com a USP, foram excluídos.
Protocolo do estudo
Os dados foram coletados por questionário online elaborado e hospedado na plataforma "Formulários Google®" (https://forms.gle/UWHvaWcJk9FjHNQX7) estruturado de maneira a disponibilizar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e 22 questões sobre: se o participante tem mais de 18 anos, se consente em participar do protocolo de pesquisa, o nome, documento, telefone para contato, gênero, local de moradia, idade, nível de escolaridade, renda familiar, estado civil, relação com a Universidade de São Paulo, frequência na qual frequenta a USP, a frequência com que usa plantas medicinais, se já apresentou efeitos adversos ao usar plantas medicinais, como costuma receber orientações sobre o uso de plantas medicinais, se considera o uso de plantas medicinais seguro, as plantas medicinais utilizadas no seu cuidado à saúde e, para cada uma, para qual finalidade terapêutica, suas formas de uso e nome científico (se souber), principais medicamentos isentos de prescrição médica utilizados rotineiramente, principais condições crônicas e principais ocorrências que afetam sua saúde no dia-a-dia.
Análise dos resultados e estatística
Todos os dados coletados no presente estudo foram sistematizados em uma planilha Microsoft® Excel e arquivados em pasta própria em computador da equipe e depois foi realizada a análise dos dados utilizando a estatística descritiva.
Escolha das espécies da horta
Considerando os resultados da pesquisa com a comunidade, foi feita uma revisão de literatura para escolher as espécies que seriam cultivadas na horta de acordo com as necessidades identificadas. Os critérios selecionados seguiram como referência a definição do elenco das plantas medicinais do Programa Farmácia Viva de Fortaleza[1]:
- Ter eficácia e segurança terapêutica comprovadas: todas as plantas do elenco do Programa Farmácia Viva foram validadas cientificamente e integram o projeto Farmácias Vivas;
- Atender ao perfil epidemiológico da população: a seleção das plantas medicinais considera as principais patologias que acometem a população na Atenção Primária à Saúde;
- Ser de fácil cultivo/manejo: as espécies vegetais devem estar adaptadas ao local de cultivo, garantindo boa produção desse insumo vegetal e regularidade da oferta nos serviços;
- Dispor de forma e fórmula farmacêuticas viabilizadas para definição e padronização delas.
Com base nesses critérios, foram levantadas as espécies mais utilizadas em nível nacional com comprovação científica para cada enfermidade identificada pela pesquisa, utilizando-se de documentos oficiais que abordam a fitoterapia e as plantas medicinais no âmbito do SUS, bem como documentos e cartilhas de outros hortos oficiais e Farmácias Vivas implantados no País. Foram consideradas, principalmente, as plantas medicinais mais utilizadas nas regiões próximas à cidade de São Paulo, tendo como objetivo elencar as espécies que se adaptam melhor ao clima e ao solo da região (bioma Mata Atlântica)[8].
Dentre as espécies levantadas, foram escolhidas aquelas que se encaixavam melhor no espaço disponível para o cultivo no Espaço do Idoso, levando em consideração tanto a área disponível, quanto a quantidade de horas de sol disponíveis no local. Como trata-se de uma horta que disponibilizará, futuramente, para a comunidade apenas as mudas e partes da planta in natura, optou-se por priorizar as plantas medicinais que podem ser utilizadas in natura e que a parte utilizada seja as folhas, uma vez que facilita a regularidade na disponibilização do insumo vegetal à comunidade, e com uso medicinal principal na forma de infuso, decocto, compressa, cataplasma, infusão fria ou xarope caseiro, para que o uso das plantas pela comunidade seja mais acessível. Foram priorizadas também as plantas de cultivo em meia sombra, visto que o local é bastante sombreado e não foi possível a realização de uma poda no espaço durante a execução do projeto. Foram incluídas também algumas espécies de árvores com propriedades medicinais de uso comprovado ou popular que já estavam presentes no espaço e foram devidamente identificadas.
Estruturação da horta
Foi feito inicialmente um levantamento da área disponível para o cultivo e do melhor posicionamento das plantas em relação ao sol. Além disso, foram pesquisados os itens mais importantes para o bom funcionamento de uma Farmácia Viva de tipo I, bem como as melhores formas de cultivo das espécies escolhidas. Foi necessário inicialmente obter a autorização da Faculdade de Ciências Farmacêuticas para que o projeto pudesse ser desenvolvido no espaço da FARMUSP. Após o processo de aprovação, o projeto foi inscrito no 7º edital SANTANDER/USP/FUSP por meio da Liga de Plantas Medicinais da USP (LAPLAM-USP), sendo a verba do edital posteriormente utilizada para a compra dos materiais e ferramentas para criação e manutenção dos canteiros e a contratação dos serviços (sistema de irrigação automática e placas de identificação). A construção da horta ocorreu durante uma atividade da LAPLAM-USP com o auxílio dos membros da Liga, da equipe de jardinagem da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (FCF-USP) e da equipe da FARMUSP. A atividade teve 2 dias de duração e os canteiros foram estruturados com pedaços de bambu.
Resultados
Resultados da pesquisa com a comunidade
A pesquisa com formulário online recebeu 150 respostas até o fim de sua execução. O perfil majoritário da parcela da comunidade USP que participou da pesquisa tinha as características conforme a TABELA 1 a seguir:
Gênero | Feminino (%) | 119 (79,3%) |
---|---|---|
Masculino (%) | 27 (18%) | |
Outros (%) | 4 (2,7%) | |
Local de moradia | São Paulo (%) | 116 (77,33%) |
Outros municípios da Região Metropolitana de SP (%) | 26 (17,33%) | |
Outros (%) | 8 (5,33%) | |
Faixa etária | 18 a 24 anos (%) | 57 (38%) |
45 a 54 anos (%) | 23 (15,33%) | |
55 a 64 anos (%) | 23 (15,33%) | |
Outros (%) | 47 (31,33%) | |
Escolaridade | Ensino superior incompleto (%) | 63 (42%) |
Pós-graduação completa (%) | 39 (26%) | |
Superior completo (%) | 31 (20,7%) | |
Outros (%) | 17 (11,3%) | |
Renda familiar | R$4.400,00 a R$11.000,00 (%) | 68 (44%) |
R$2.200,00 a R$4.400,00 (%) | 30 (20%) | |
R$11.000,00 a R$22.000,00 (%) | 26 (17,3%) | |
Outros (%) | 28 (18,7%) | |
Estado civil | Solteiro (%) | 95 (63,3%) |
Casado (%) | 38 (25,3%) | |
Outros (%) | 17 (11,4%) | |
Relação com a USP | Estudantes (%) | 74 (49,33%) |
Funcionários (%) | 35 (23,33%) | |
Visitantes, familiares, participantes de atividades de extensão ou ex-alunos e professores aposentados (%) | 26 (17,33%) | |
Outros (%) | 15 (10%) | |
Frequência no campus | Dias úteis (segunda a sexta-feira) (%) | 88 (58,7%) |
1x na semana ou mais (%) | 38 (25,3%) | |
1x ou 2x no mês (%) | 11 (7,3%) | |
Outros (%) | 13 (8,7%) | |
Uso de plantas medicinais | Às vezes | 71 (47,3%) |
Frequentemente | 30 (20%) | |
Quase nunca | 27 (18%) | |
Sempre | 16 (10,7%) | |
Nunca | 6 (4%) | |
Efeitos indesejados com as plantas | Não | 119 (79,3%) |
Talvez | 17 (11,3%) | |
Sim | 14 (9,3%) | |
Indicação de uso de plantas medicinais | Família | 93 (62%) |
Por conta própria (internet, pesquisas) | 76 (50%) | |
Amigos/conhecidos | 75 (50%) | |
Profissionais de saúde em serviços de saúde | 34 (22,7%) | |
Não costuma receber indicações | 14 (9,3%) | |
Outros | 11 (7,7%) | |
Segurança das plantas medicinais | Sim, se usadas da forma correta | 123 (82%) |
Às vezes, depende da situação | 20 (13,3%) | |
Sim, sempre | 6 (4%) | |
Quase nunca | 1 (0,7%) | |
Principais espécies relatadas (nome popular) | Camomila | 97 (64,7%) |
Boldo/Boldo do Chile | 38 (25,3%) | |
Hortelã/Menta | 38 (25,3%) | |
Babosa/Aloe vera | 35 (23,3%) | |
Erva doce | 31 (20,7%) | |
Fonte: Questionário "Horta de plantas medicinais da Farmusp: Questionário para a seleção de plantas medicinais a serem cultivadas na horta da Farmácia Universitária da USP (Farmusp)". |
Foi possível elencar também as principais demandas nas quais a comunidade costuma recorrer às plantas medicinais a partir dos dados extraídos do item 19do formulário online:
"Escreva aqui as plantas medicinais usadas por você. Para cada uma, descreva para que usa e a forma que usa (chá, compressa, tintura etc.). Se souber, adicione o nome científico da planta e, se não souber, deixe apenas o nome popular. Pode escrever quantas plantas quiser. Se não usar nenhuma, escreva NÃO".
As respostas obtidas dessa questão foram sistematizadas na TABELA 2. As demandas identificadas foram separadas em categorias, uma vez que foram mencionadas diversas indicações para cada planta que os participantes utilizam em sua rotina. Na mesma tabela, foram sistematizadas também as principais classes de medicamentos utilizadas pelos participantes da pesquisa, suas principais condições fisiopatológicas que os afetam de forma crônica e as ocorrências que os afetam de forma eventual no seu dia-a-dia.
Principais demandas de saúde supridas por plantas | Ansiedade Para acalmar, para relaxar, stress |
99 (66%) |
---|---|---|
Desconfortos gastroesofágicos Para o estômago, digestivo, gastrite, dor no estômago, azia, enjoo |
61 (40,7%) | |
Resfriados/gripe Dor de garganta, tosse, expectorante, descongestionante, aumentar a imunidade |
53 (35,3%) | |
Insônia Para dormir, insônia |
43 (28,7%) | |
Uso cosmético Hidratação, limpeza de pele, para a pele, para os olhos, para o cabelo, espinhas, fortalecer as unhas |
22 (14,7%) | |
Dieta/culinária Tempero, para cozinhar |
22 (14,7%) | |
Desconfortos gastrointestinais Dor abdominal, dor de barriga, gases, diarreia, constipação, cólica intestinal, cólica |
21 (14%) | |
Classes de medicamentos mais usados | Anti-inflamatórios não esteroidais (AINES) | 113 (75,3%) |
Suplementos e vitaminas | 50 (33,3%) | |
Medicamentos para problemas gástricos | 39 (26%) | |
Descongestionantes nasais e expectorantes | 32 (21,3%) | |
Antissépticos tópicos | 24 (16%) | |
Laxantes | 4 (2,7%) | |
Ansiolíticos | 4 (2,7%) | |
Principais condições crônicas prevalentes | Ansiedade e a insônia | 65 (43,3%) |
Dislipidemias | 19 (12,7%) | |
Hipertensão | 18 (12%) | |
Artrite ou artrose | 16 (10,7%) | |
Asma ou bronquite crônica | 14 (9,3%) | |
Diabetes mellitus | 7 (4,7%) | |
Doença hepática | 4 (2,7%) | |
Depressão | 4 (2,7%) | |
Principais desconfortos eventuais | Dores em geral (muscular, articular, reumática) | 71 (47,3%) |
Cólica menstrual | 55 (36,7%) | |
Gastrite ou dores no estômago | 41 (27,3%) | |
Resfriados | 28 (18,7%) | |
Constipação | 20 (13,3%) | |
Enjoo | 19 (12,7%) | |
Cólica intestinal | 14 (9,3%) | |
Micoses superficiais de pele e unha | 13 (8,7%) | |
Efeitos da menopausa | 12 (8%) | |
Diarreia | 12 (8%) | |
Hematomas ou contusões | 11 (7,3%) | |
Machucados e queimaduras | 6 (4%) | |
Dores de cabeça ou enxaqueca | 4 (2,7%) | |
Hemorroidas | 4 (2,7%) | |
Fonte: Questionário "Horta de plantas medicinais da Farmusp: Questionário para a seleção de plantas medicinais a serem cultivadas na horta da Farmácia Universitária da USP (Farmusp)". |
Espécies escolhidas para a horta
Inicialmente foram comparadas as principais demandas farmacológicas identificadas, as demandas clínicas (crônicas e eventuais) e as demandas para as quais se dá o uso recorrente de plantas medicinais pela comunidade, chegando assim nas prioridades epidemiológicas identificadas pela pesquisa. Com as prioridades estabelecidas, foi possível identificar a partir de uma revisão bibliográfica as principais espécies utilizadas para cada condição clínica no Brasil, sobretudo em documentos oficiais e de hortas medicinais e Farmácias Vivas em regiões dominadas pelo bioma Mata Atlântica nas regiões sudeste e sul[8], dando forma à primeira triagem de espécies para a horta medicinal sistematizadas no QUADRO 1:
Primeira triagem para as espécies da Horta da FARMUSP | |
---|---|
Prioridades epidemiológicas | Plantas medicinais indicadas |
1. Dores (locais, inflamatórias, reumáticas) | Erva baleeira (Cordia verbenacea), Unha-de-gato (Uncaria tomentosa), Alecrim (Rosmarinus officinalis), Mentrasto (Ageratum conyzoides), Arnica (Arnica montana) |
2. Ansiedade e insônia | Camomila (Matricaria chamomilla), Melissa (Melissa officinalis), Maracujá (Passiflora incarnata), Capim-limão (Cymbopogon citratus), Erva cidreira brasileira (Lippia alba), Valeriana (Valeriana officinalis) |
3. Desconfortos gástricos (indigestão, gastrite, enjôo, azia) | Espinheira-santa (Maytenus ilicifolia), Boldo brasileiro (Plectranthus barbatus), Mil-folhas (Achillea millefolium), Carqueja (Baccharis trimera), Sálvia (Salvia officinalis), Melissa (Melissa officinalis), Gengibre (Zingiber officinale), Cúrcuma (Curcuma longa), Alecrim (Rosmarinus officinalis) |
4. Cólica menstrual | Erva-cidreira brasileira (Lippia alba), Mil-folhas (Achillea millefolium), Funcho (Foeniculum vulgare), Capim-limão (Cymbopogon citratus), Alecrim (Rosmarinus officinalis) |
5. Resfriados (viroses respiratórias) e gripe | Guaco (Mikania glomerata), Malvarisco (Plectranthus amboinicus), Equinácea (Echinacea angustifolia), Alho (Allium sativum), Sálvia (Salvia officinalis), Mil-folhas (Achillea millefolium), Tanchagem (Plantago major), Carqueja (Baccharis trimera), Gengibre (Zingiber officinale), Alecrim (Rosmarinus officinalis), Funcho (Foeniculum vulgare), Hortelã-japonesa (Mentha arvensis) |
6. Alimentos funcionais/PANCS | Gengibre (Zingiber officinale), Cúrcuma (Curcuma longa), Ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata), Beldroega (Portulaca oleracea) |
7. Desconfortos gastrointestinais (cólica intestinal, gases, diarreia, constipação) | Pitangueira (Eugenia uniflora), Funcho (Foeniculum vulgare), Goiabeira (Psidium guajava), Camomila (Matricaria chamomilla), Melissa (Melissa officinalis), Capim-limão (Cymbopogon citratus), Erva-cidreira brasileira (Lippia alba), Mil-folhas (Achillea millefolium), Gengibre (Zingiber officinale), Cúrcuma (Curcuma longa), Tanchagem (Plantago major), Alecrim (Rosmarinus officinalis) |
8. Antissépticos, cicatrizantes e anti-inflamatórios tópicos (irritações na pele, machucados e queimaduras ou contusões) | Babosa (Aloe vera), Calêndula (Calendula officinalis), Tanchagem (Plantago major), Arnica (Arnica montana) (contusões), Sálvia (Salvia officinalis), Erva-baleeira (Cordia verbenacea), Camomila (Matricaria chamomilla), Mil-folhas (Achillea millefolium), Malvarisco (Plectranthus amboinicus), Equinácea (Echinacea angustifolia), Gengibre (Zingiber officinale) (boca), Pitangueira (Eugenia uniflora), Alecrim (Rosmarinus officinalis), Funcho (Foeniculum vulgare) |
9. Auxiliar no combate e prevenção da arteriosclerose, hipertensão e dislipidemias | Alho (Allium sativum), Alcachofra (Cynara scolymus), Ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata), Beldroega (Portulaca oleracea) |
10. Desconforto respiratório (asma, bronquite, broncodilatador, expectorante) | Guaco (Mikania glomerata), Alho (Allium sativum), Capim-limão (Cymbopogon citratus), Erva-cidreira brasileira (Lippia alba), Mil-folhas (Achillea millefolium), Malvarisco (Plectranthus amboinicus), Gengibre (Zingiber officinale), Alho (Allium sativum), Funcho (Foeniculum vulgare) |
11. Dor de cabeça/enxaqueca | Alecrim (Rosmarinus officinalis), Erva-cidreira brasileira (Lippia alba), Hortelã-japonesa (Mentha arvensis) |
12. Efeitos da menopausa | Sálvia (Salvia officinalis), Erva-cidreira brasileira (Lippia alba) |
13. Micoses superficiais | Alho (Allium sativum), Alecrim-pimenta (Lippia sidoides) |
14. Distúrbios hepáticos | Boldo brasileiro (Plectranthus barbatus), Carqueja (Baccharis trimera), Funcho (Foeniculum vulgare), Cúrcuma (Curcuma longa) |
Após a primeira triagem, foi analisado o espaço disponível para o cultivo e as condições de clima para escolher as espécies que seriam efetivamente cultivadas na FARMUSP. Foram identificadas no Espaço do Idoso áreas apropriadas para canteiros com plantas de meia sombra, para canteiros com plantas de sol pleno, para árvores arbustivas de pequeno porte e para plantas trepadeiras. Foram escolhidas algumas espécies pouco estudadas nativas ou amplamente naturalizadas para serem utilizadas para pesquisa e foram consideradas, também, as árvores que haviam sido previamente identificadas. As espécies de plantas escolhidas para a horta foram divididas em dois grupos:
- Plantas para a comunidade: engloba as espécies que podem ser utilizadas de forma medicinal ou cosmética pela comunidade com a orientação de uso e forma farmacêutica comprovadamente estabelecidas, Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) ou plantas que podem ser usadas como temperos;
- Plantas para pesquisa: engloba espécies de plantas que já demonstraram propriedades medicinais, seja por uso popular ou por estudos in vitro que comprovam tais propriedades. Algumas das espécies podem ser utilizadas também como PANC ou tempero.
Espécies de plantas medicinais da Horta da FARMUSP | |||||
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Espécies | Usos | ||||
Nome popular | Nome científico | Medicinal | Culinária | Cosmético | Pesquisa |
Erva-baleeira | Cordia verbenacea | x | |||
Melissa | Melissa officinalis | x | |||
Hortelã-japonesa | Mentha arvensis | x | |||
Sálvia | Salvia officinalis | x | x | ||
Arnica | Arnica montana | x | |||
Gengibre | Zingiber officinale | x | x | ||
Peixinho (PANC) | Stachys byzantina | x | x | ||
Erva-cidreira brasileira | Lippia alba | x | |||
Babosa | Aloe vera | x | x | ||
Boldo brasileiro | Plectranthus barbatus | x | |||
Alecrim | Rosmarinus officinalis | x | x | ||
Capim-limão | Cymbopogon citratus | x | x | ||
Mil-folhas | Achillea millefolium | x | |||
Camomila | Matricaria chamomilla | x | x | ||
Equinácea | Echinacea angustifolia | x | |||
Cúrcuma | Curcuma longa | x | x | ||
Calêndula | Calendula officinalis | x | |||
Alho | Allium sativum | x | x | ||
Orégano | Origanum vulgare | x | x | ||
Carqueja | Baccharis trimera | x | |||
Beldroega (PANC) | Portulaca oleracea | x | x | ||
Tanchagem (PANC) | Plantago major | x | x | ||
Espinheira santa | Maytenus ilicifolia | x | |||
Pitangueira | Eugenia uniflora | x | x | ||
Goiabeira | Psidium guajava | x | x | ||
Taioba (PANC) | Xanthosoma sagittifolium | x | |||
Aroeira-pimenteira | Schinus terebinthifolia | x | x | ||
Cipó-alho (PANC) | Mansoa alliacea | x | x | ||
Guaco | Mikania glomerata | x | |||
Sete-sangrias | Cuphea carthagenensis | x | |||
Arnica-do-mato | Solidago chilensis | x | |||
Mangueira | Mangifera indica | x | x | ||
Abacateiro | Persea americana | x | x | ||
Mamoeiro | Carica papaya | x | x | ||
Tipuana | Tipuana tipu | x | |||
Poinsétia | Euphorbia pulcherrima | x | |||
Quebra-demanda | Justicia gendarussa | x | |||
Jaqueira | Artocarpus heterophyllus | x | x | ||
Pau-brasil | Paubrasilia echinata | x | |||
Pata-de-vaca | Bauhinia variegata | x | |||
Primavera | Bougainvillea sp. | x |
Os resultados da horta
Todas as espécies escolhidas foram planejadas para ocuparem 2 canteiros de meia-sombra, 1 canteiro específico para espécies invasoras; 4 canteiros com mais incidência de sol, covas espalhadas pela área do Espaço do Idosos, a grade externa e a estrutura de madeira já presentes no espaço. Após 4 meses do plantio das mudas, houve um crescimento satisfatório da maioria das espécies e algumas delas parecem estar ainda se adaptando ao ambiente. Até o momento, apenas Matricaria chamomilla não se adaptou bem ao canteiro em que foi plantada. As composteiras estão produzindo uma quantidade satisfatória de húmus para adubagem e a irrigação automática e as placas de identificação foram devidamente implantadas.
Durante e após a implantação dos canteiros, diversas pessoas demonstraram interesse na horta, elogiaram a iniciativa e demonstraram interesse em se envolver e poder utilizar a horta futuramente. Além disso, pessoas de outros institutos do campus da USP já entraram em contato com a LAPLAM-USP e a FARMUSP para realizar parcerias, atividades em conjunto e para criar de outros canteiros de plantas medicinais pelo campus. O projeto já suscitou algumas atividades para a LAPLAM-USP, sendo a primeira delas a realização, por seus membros, de exsicatas das espécies presentes na horta para a documentação da sua identificação botânica.
Discussão
Dados extraídos pela pesquisa com a comunidade
A pesquisa com a comunidade foi realizada de forma remota e divulgada em portais digitais específicos, portanto não foi possível obter uma amostra que pudesse de fato representar a Comunidade USP do campus Butantã. Houve limitação na forma de divulgação do questionário, portanto nem todas as faculdades e institutos do campus Butantã participaram da pesquisa. Além disso, é possível que alguns grupos sociais sejam mais engajados com o meio digital utilizado pela pesquisa, como os estudantes, em detrimento de alguns outros grupos, como os docentes e profissionais técnico-administrativos. Sendo assim, infere-se que a pesquisa foi limitada no que se refere à Comunidade USP e é necessária uma pesquisa aprofundada para que mais conclusões possam ser obtidas. Apesar disso, a pesquisa foi satisfatória para que as espécies de plantas medicinais pudessem ser escolhidas com base em algumas das necessidades mais prevalentes da comunidade.
Com base nos dados obtidos, levando em consideração a escassez de dados coletados, sendo, portanto, uma conclusão parcial aberta a outras interpretações; pode-se inferir que o grupo mais interessado pela horta pode ser constituído na sua maioria por mulheres, estudantes de graduação, funcionários técnico-administrativos da USP e de visitantes do campus atrelados a projetos e programas de extensão da universidade com idade entre 18 e 64 anos. Essas informações poderão ser utilizadas para o desenvolvimento de atividades do Departamento de Extensão da LAPLAM-USP, que serão organizadas de acordo com públicos-alvo distintos que apresentam demandas de saúde específicas e, por isso, demandam o uso de diferentes espécies que poderão ser abordadas pelas oficinas.
Infere-se que, com o tempo, a horta venha a ser utilizada por pessoas com vínculo à USP de diversos outros institutos ou programas que não foram alcançados pela pesquisa, sendo necessária uma revisão ou um complemento das espécies cultivadas, levando em consideração também as plantas que se adaptaram melhor ao local após algum tempo de cultivo. Essa revisão poderá ser feita pela LAPLAM-USP, por alunos vinculados à FARMUSP ou alunos vinculados à FCF/USP, bem como por outros pesquisadores e estudantes interessados em melhorar o cultivo na horta.
A partir da pesquisa, também foi possível analisar a relação da parcela da comunidade que respondeu o questionário com as plantas medicinais. Nota-se que a maior parte das pessoas já usa as plantas medicinais sempre, frequentemente ou às vezes (78%), porém, mais de 20% dos participantes relataram nunca ou quase nunca usarem as plantas, e ainda assim tiveram interesse em participar da pesquisa, o que demonstra o potencial do projeto de levar o conhecimento da fitoterapia adiante até para aqueles não fazem uso desse recurso. Além disso, 20,6% dos participantes da pesquisa relataram já ter sentido, ou talvez ter sentido, efeitos indesejados ao usar alguma planta medicinal, o que demonstra uma necessidade de trabalhar com a comunidade o uso seguro das plantas. Uma parcela de 5% dos participantes da pesquisa respondeu que o uso de plantas medicinais sempre é seguro (4%), ou que o seu uso quase nunca é seguro (0,7%), o que também demonstra que a comunidade necessita de mais informações sobre o uso das plantas medicinais.
Outro ponto interessante levantado pela pesquisa é que a maior parte dos participantes obtém orientações sobre o uso de plantas medicinais com a família, os amigos ou conhecidos, ou por conta própria, dando indícios que há uma possível escassez de profissionais da saúde habilitados para prover as devidas orientações para aqueles que responderam o questionário, ou então que os participantes não consideram importantes tais orientações sobre o uso das plantas. Esse item também indica que o uso das plantas medicinais perpassa gerações e foge da lógica tecnicista médico-centrada em que o sistema de saúde é baseado atualmente, tendo, além dos critérios biomédicos, aspectos subjetivos baseados em vínculos geracionais e culturais para o seu uso. Foi descrito também por grande parte dos participantes o uso cosmético e culinário das plantas medicinais, o que colabora com o ponto de vista de que as plantas medicinais são uma ferramenta de saúde abrangente que devem ser trabalhadas de forma a levar em consideração que a saúde não se baseia apenas na ausência de doença, mas também na promoção do bem-estar.
As espécies escolhidas e seus benefícios
Nota-se pela TABELA 2 e pelo QUADRO 1, descritos anteriormente, que quase todas as demandas de saúde identificadas pela pesquisa ou foram englobadas nas prioridades estabelecidas, ou podem ser supridas ou parcialmente supridas pelas plantas escolhidas. As demandas que não foram abarcadas nas prioridades epidemiológicas são aquelas para as quais não existem relatos de plantas comprovadamente eficientes para a condição, ou aquelas para as quais não há plantas adequadas para o plantio no local segundo os critérios estabelecidos por Matos[1], ou ainda para as quais existem plantas que são matéria-prima de fitoterápicos liberados apenas com prescrição médica, o que exige mais cautela no uso. Sendo assim, a maior parte das demandas identificadas pela pesquisa com a comunidade, inclusive as demandas de promoção de saúde, como o uso cosmético e culinário, serão supridas pelas espécies escolhidas. Além disso, a maioria das espécies foi citada pela comunidade como plantas medicinais já utilizadas por eles na sua rotina, o que promove identificação da comunidade com as plantas disponíveis, incentivando o futuro uso da horta por eles.
O primeiro grupo de plantas da lista de plantas medicinais da horta da FARMUSP poderá ser utilizado pela comunidade de forma segura, seja para a sua alimentação ou para lidar com algum desequilíbrio na sua saúde. Já o segundo grupo poderá servir para pesquisa para quaisquer institutos interessados nas espécies, o que poderá suscitar novas descobertas de uso dessas plantas, bem como gerar publicações para a universidade e auxiliar no aprendizado de estudantes e pesquisadores interessados no assunto.
Potencialidades: Os próximos passos para a horta
A horta foi construída de modo a comportar pessoas de diversas formações e vivências, visto que os membros da LAPLAM-USP podem ser estudantes de diversos cursos da USP e de outras universidades, pessoas desvinculadas de universidades, pesquisadores que não pertencem à FCF/USP, entre outros. A Liga é, portanto, um espaço interdisciplinar aberto a diversas visões sobre a relação do homem com as plantas medicinais. Sendo assim, a horta tem um grande potencial para atividades interdisciplinares e com o olhar abrangente sobre o uso das plantas.
Para que a horta persista no espaço em que foi criada e para que ela possa ser efetivamente utilizada pela comunidade, há a necessidade da existência de materiais informativos sobre as espécies ali presentes. Os folhetos informativos conterão todas as informações de uso e cultivo das plantas e serão disponibilizados tanto para a comunidade, quanto para a equipe da FARMUSP e membros da LAPLAM-USP, que utilizarão as informações para orientar a comunidade, para realizar futuras atividades no espaço e para realizar a manutenção da horta.
Na forma que foram idealizados, um dos folhetos da horta será uma cartilha com as devidas orientações de uso das plantas da categoria "Plantas para a comunidade" criada para o público geral, que conterá informações completas de orientações de uso de acordo com as referências utilizadas no trabalho, terá uma linguagem mais acessível e conterá apenas as informações cruciais para o uso rotineiro das plantas no seu cuidado à saúde, além da orientação geral do preparo de algumas formas farmacêuticas mais utilizadas na fitoterapia e informações resumidas sobre o cultivo individual de mudas das espécies da horta. Outro folheto será uma cartilha direcionada para profissionais da saúde, que apresentará mais detalhes sobre a prescrição dos fitoterápicos, as precauções de uso em diferentes populações e informações mais detalhadas sobre a segurança e a eficácia dos fitoterápicos, além de reservar uma parte para as espécies com propriedades medicinais de interesse para pesquisa para consulta de profissionais da área e pesquisadores. Além desses folhetos com orientações de usos, será elaborado um terceiro folheto com as informações de cultivo e para manutenção das espécies.
Uma vez implantada, a horta deverá ser mantida pela equipe da FARMUSP e pela LAPLAM-USP, sendo a manutenção guiada pelas informações de cultivo que farão parte dos folhetos informativos. Idealmente, assim como é esperado para a existência de uma Farmácia Viva I, acredita-se que haja um trabalho de capacitação do pessoal que irá disponibilizar as plantas e orientar a comunidade para o seu uso. Essa capacitação poderá ser realizada futuramente em parceria com outros projetos institucionais envolvidos com plantas medicinais, porém, como a Liga ainda não possui os recursos necessários para esse tipo de atividade, as cartilhas informativas serão utilizadas como base para o cultivo e para a orientação do uso de todas as espécies presentes na horta. Sendo assim, a disponibilização de partes ou de mudas das plantas da horta apenas será possível após a finalização de todos os folhetos informativos, para que o uso pela comunidade possa ser feito de forma segura e eficaz.
Esse trabalho já suscitou uma série de atividades com os membros da Liga, como o de produção de exsicatas para identificação das espécies presentes na horta, que foi importante tanto para passar o conhecimento de identificação de plantas para os estudantes, quanto para o controle de qualidade das mudas que serão disponibilizadas futuramente para a comunidade. A próxima atividade, que será desenvolvida pela LAPLAM-USP com a supervisão da equipe da FARMUSP, terá como objetivo o desenvolvimento dos folhetos informativos e será também uma oportunidade de passar informações formativas e informativas para os estudantes e membros da Liga sobre as plantas medicinais.
Uma vez que as cartilhas estiverem prontas e a disponibilização das plantas for possível, se tornará viável a realização de diversas atividades e oficinas no espaço da horta, sendo uma oportunidade de trabalhar com a comunidade a educação em saúde por meio do Departamento de Extensão da LAPLAM-USP. Além disso, os docentes e a equipe da FARMUSP poderão encontrar na horta uma oportunidade de trabalhar a fitoterapia e as plantas medicinais na prática, seja nas disciplinas da FCF/USP e de outros institutos, quanto em estágios que abordam a fitoterapia, as plantas medicinais ou as Farmácias Vivas. Há, ainda, a oportunidade de trabalhar tais assuntos de forma interdisciplinar, visto que o tema das plantas medicinais pode abarcar diversas áreas do conhecimento, como agronomia, biologia, antropologia, diversos cursos da saúde, entre outras.
Conclusão
É possível concluir que a horta de plantas medicinais da FARMUSP é capaz de suprir as principais necessidades em saúde, tanto medicinais, quanto culturais e de bem-estar, de uma parte da comunidade na perspectiva das plantas medicinais, visto que a pesquisa alcançou uma parcela restrita da comunidade USP. Conclui-se, assim, que uma investigação mais profunda de como se constitui a comunidade USP pode somar aos benefícios desse trabalho futuramente. Além disso, pode-se concluir que, ainda que a implantação da horta tenha sido bem-sucedida, para que ela possa ser utilizada da forma que foi idealizada, ainda são necessários esforços para que existam ferramentas como os folhetos informativos, uma vez que são essenciais para a orientação baseada em evidências sobre o uso das plantas medicinais pela comunidade, bem como para a manutenção efetiva e permanente da horta.
Ainda assim, conclui-se que o projeto foi valoroso no que se refere às possibilidades de ferramentas de saúde para a comunidade pela FARMUSP, uma vez que já suscitou atividades com os estudantes envolvidos com a LAPLAM-USP e suscitará ainda diversas oficinas e trabalhos sociais com a comunidade envolvendo a educação em saúde na área da fitoterapia, sendo um espaço com diversas possibilidades de usos e de aprendizado de forma interdisciplinar. Além disso, é ainda um espaço que estimula a pesquisa com as plantas medicinais, incentivando a valorização do meio-ambiente e da biodiversidade do nosso País.
Fontes de Financiamento
A criação efetiva da horta foi possível por meio do aporte financeiro do 7º edital SANTANDER/USP/FUSP.
Conflito de Interesses
Não há conflito de interesses.
Agradecimentos
Agradecimentos especiais à equipe da FARMUSP e aos membros e gestão da LAPLAM-USP, que possibilitaram a realização desse trabalho; ao projeto de extensão Taiobas do Matão, que realizou a identificação das plantas, especialmente ao aluno de pós-graduação do Instituto de Biologia da USP (IB) Marcel Zimmermann e pelo estudante de geografia Julio Müller, ambos membros do projeto; e aos amigos, colegas e família que inspiraram e deram suporte à essa iniciativa.
Colaboradores
Concepção do estudo: JCS; MAN
Curadoria dos dados: JCS; MAN
Coleta de dados: JCS; MAN
Análise dos dados: JCS; MAN
Redação do manuscrito original: JCS; MAN
Redação da revisão e edição: JCS; MAN; PMA
Referências
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