A Ciência no uso de produtos naturais para controle do vetor do vírus Zika (ZIKV)

Jislaine de Fátima Guilhermino
OrcID
Ana Tereza Gomes Guerrero
Fernanda Savicki de Almeida
Zoraida Del Carmen F. Grillo

    Jislaine de Fátima Guilhermino

    Editora da Área de Política e Gestão da Inovação, Fundação Oswaldo Cruz

    OrcID http://orcid.org/0000-0003-2192-7801

    Ana Tereza Gomes Guerrero

    Fiocruz, MS

    Fernanda Savicki de Almeida

    Fiocruz, MS

    Zoraida Del Carmen F. Grillo

    Fiocruz, MS

Resumo

O vírus Zika (ZIKV) é um arbovírus emergente (família Flaviviridae, gênero Flavivirus), originalmente transmitido na África, que esta se dispersando rapidamente pelas Ilhas do Caribe e ao longo da América Central e do Sul (FAYE et al., 2014; FAUCI; MORENS, 2016).

O primeiro isolamento do vírus ZIKV ocorreu em 1947, em sangue de macaco do gênero Rhesus e em mosquitos da espécie Aedes (Stegomyia) africanus na floresta de Zika, em Uganda (DICK; KITCHEN; HADDOW, 1952; HADDOW et al., 2012). Após duas fases de migração para o Oeste Africano originou as duas linhagens africanas (FAYE et al., 2014). Posteriormente, na década de 1940, teria migrado para a Ásia originando a linhagem asiática. Em 2007, emergiu, pela primeira vez, fora da África e da Ásia causando uma epidemia na Ilha de Yap (Micronésia) (DUFFY et al., 2009).

O vírus Zika é usualmente transmitido ao homem pela picada de mosquitos do gênero Aedes subgênero Stegomyia, dentre eles, o Ae. africanus, Ae. apicoargenteus, Ae. vitattus, Ae. furcifer, Ae. luteocephalus, Ae. hensilli, Ae. albopictus e Ae. aegypti. Nas Américas, o principal vetor é o Ae. aegypti (DIALLO et al., 2014; LEDDERMANN et al, 2014).

No Brasil, os primeiros casos de ZIKV foram relatados em março de 2015, nos estados de Rio Grande do Norte e da Bahia. Os pacientes apresentaram sintomas compatíveis com a infecção pelo vírus e o diagnóstico nas amostras de soro foi realizado pela técnica de RT-PCR e posterior sequenciamento, demonstrou elevada similaridade (97-100%) com a linhagem isolada durante a epidemia na Polinésia Francesa em 2013 (CARDOSO et al., 2015; ZANLUCA et al., 2015; CALVET et al., 2016).

Atualmente, a circulação autóctone do vírus já foi confirmada em 22 estados do país, além de dois óbitos: um em São Luís/MA e outro em Benevides/PA (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016).

É mais que comprovada a ineficiência das práticas usuais de controle do vetor, via pulverização de inseticidas (fumacê) em áreas urbanas. Trata-se de um inseto de hábito doméstico e com essas características, as medidas de controle devem basear-se na identificação e eliminação dos criadouros de larvas e não na tentativa de eliminação do vetor em sua fase adulta. A aplicação rotineira de inseticidas via pulverização só facilita a resistência do mosquito aos princípios ativos dos produtos aplicados (LONDRES, 2011; WUTKE et al, 2015, AUGUSTO et al, 2016).

Contudo, outra medida ineficaz, baseada na mesma tecnologia descrita, é realizada no Brasil. Trata-se da utilização de inseticidas em baixa concentração na água para uso humano (aplica-se a técnica de Ultra Baixo Volume – UVB). Além de conferir resistência às larvas, o produto utilizado mais comumente – Malathion – é altamente tóxico para humanos e muito perigoso para o meio ambiente. Já foi uma solução assertiva, no início de seu uso, quando as populações, tanto humana quanto do vetor, eram menores. Porém, devia ter sido aplicada concomitante a ações de prevenção, como saneamento (CARNEIRO, 2015; ABRASCO, 2016; AUGUSTO et al, 2016).

Adicionalmente, os produtos de síntese química podem causar problemas de pele e intoxicações, especialmente nas categorias populacionais mais susceptíveis como crianças, gestantes e idosos (WUTKE et al, 2015; CARNEIRO, 2015; ABRASCO, 2016).

Muitos estudos apontam que, para um controle adequado do mosquito, as estratégias devem ser outras, muito diferentes dessas apresentadas. Sabe-se que os problemas com a incidência do vetor estão conectados a problemas sanitários e socioambientais e, portanto, as soluções deveriam começar por aumentar a abrangência do saneamento básico das cidades, ofertando água limpa para a população, bem como rede de esgoto tratado, eliminação dos lixões a céu aberto, coleta e devida destinação ao resíduo sólido, entre outras (WUTKE et al, 2015; ABRASCO, 2016). No entanto, essas são medidas onerosas e muitas delas de aplicação em longo prazo.

E é nesse cenário de crise epidemiológica e na busca imediata de produtos que contribuam na eliminação ou, no mínimo, na repelência do mosquito vetor, que destacamos nesse editorial, a importância dos produtos naturais no controle do Aedes aegypti de maneira que sejam menos custosos à saúde humana e ambiental.

A intenção foi diagnosticar o perfil das publicações sobre o tema – produtos naturais usados no controle do Ae. aegypti, identificando o modo de ação desses produtos em relação ao mosquito: ação repelente ou ação biocida, sendo que essa última foi subdividida pelo estágio do inseto em que atua – ovicida, larvicida, adulticida.

As publicações foram compiladas da base de dados Pubmed, mediante o uso das palavras-chave “Plant control and Aedes”. Encontramos 479 artigos, publicados no período de 1968 a 2016. Os critérios de inclusão foram produtos à base de plantas e controle do Ae. aegypti sendo que, após utilização dos critérios, selecionamos 258 artigos do total levantados. O gráfico abaixo ilustra as informações apresentadas acima (visualização da imagem em HTML ou PDF):

Imediatamente, é possível perceber a diferença entre o número de publicações fazendo referência à ação larvicida e os demais modos de ação. De fato, as ações de controle do vetor no estágio larval, como já foram suscitadas aqui, são as mais eficientes como medida pontual. Ademais, trata-se de estudos de produtos à base de plantas, que ainda não focam no uso comercial em grande escala do referido material, mas sim apenas testam sua eficácia no controle.

O número de publicações referentes aos demais tipos de controle, aparentemente, não se diferem entre si. Em números absolutos, os artigos que se referem a produtos que controlam o inseto adulto ou interferem na oviposição estão em segundo lugar, seguidos dos trabalhos sobre repelência.

O significativo número de publicações de produtos de ação biocida destaca o importante potencial desses do ponto de vista industrial. Vivemos um período de questionamento ao uso de agrotóxicos, tanto pela sua eficácia, quanto pela quantidade liberada ao ambiente, tópico que já foi minimamente discutido aqui nesse editorial. Portanto, descobrir novos potenciais produtos, de base natural, que sejam menos tóxicos e perigosos ao ambiente e que possam substituir paulatinamente produtos nocivos, vem totalmente de encontro às necessidades atuais.

Um número interessante de estudos identificou mais de uma ação do produto sobre o mosquito, ou seja, inseticida e repelente e larvicida e repelente. Ao somar esses artigos às publicações que somente mencionam a ação de repelência, resultaria em um número significativamente menor que os que relatam ação larvicida, porém, seria significativamente maior que o número de artigos que falam dos outros efeitos das substâncias. Esse interesse talvez se dê pela necessidade urgente de encontrar produtos naturais repelentes, que diminuam risco de toxicidade humana, especialmente das categorias humanas mais susceptíveis.

Ressalta-se que a categoria repelente é a única, de fato, medicinal, entre todas. As demais categorias referem-se à eliminação do vetor, somente a repelência está vinculada a melhorar uma condição humana – proteção à predação. Esse é um fator que, associado à necessidade de produtos menos tóxicos à saúde humana, torna mais freqüente a busca por plantas repelentes.

É importante salientar, também, que a grande variedade de nomenclatura dificultou a análise mais profunda das ações dos produtos. Biocidas, biopesticidas, inseticidas, entre outros, são nomenclaturas muito genéricas e não explicitam se agem em todos os estágios de vida do inseto ou apenas em um ou dois. A condição generalista, quando se trata de produto químico sintetizado industrialmente, pode significar alta toxicidade e periculosidade ambiental. Por isso, sob a ótica do potencial industrial dos produtos naturais apresentados, ter esse esclarecimento??, abriria um leque de possibilidades de novas substâncias com menor impacto, tanto na saúde humana quanto na ambiental.

Em face ao atual cenário, sanitário e mercadológico, é urgente a investigação e o desenvolvimento de ferramentas terapêuticas eficazes e que sejam menos poluentes ou tóxicas. A biodiversidade brasileira tem potencial para capitanear esses esforços e oferecer alternativas relevantes. Portanto, o incremento da ciência e tecnologia no complexo industrial da saúde com enfoque na sustentabilidade dos processos e produtos, deverá ser incorporado como uma demanda em saúde pública.

Referências

  1. ABRASCO. Nota técnica sobre microcefalia e doenças vetoriais relacionadas ao Aedes aegypti: os perigos das abordagens com larvicidas e nebulizações químicas – fumacê. Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/2016/02/nota-tecnica-sobre-microcefalia-e-doencas-vetoriais-relacionadas-ao-aedes-aegypti-os-perigos-das-abordagens-com-larvicidas-e-nebulizacoes-quimicas-fumace/. Acessado em: 10 de fevereiro de 2016.
  2. AUGUSTO, L.G.S. et al. Aedes aegypti control in Brazil. The Lancet Infectious Disease, v. 387, n. 10023, p.1052-1053, 2016.
  3. CALVET, G. et al. Detection and sequencing of Zika virus from amniotic fluid of fetuses with microcephaly in Brazil: a case study. The Lancet Infectious Disease. 2016.
  4. CARDOSO, C.W. et al. Outbreak of exanthematous illness associated with zika, chikungunya, and dengue viruses, Salvador, Brazil. Emerging Infectious Disease, v.21, n.12, p.2274-6. 2015.
  5. CARNEIRO, F. F. et al (org.). Dossiê ABRASCO: um alerta sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde. EPSJV e Expressão Popular, 2015.
  6. DIALLO, D. et al. Zika virus emergence in mosquitoes in southeastern Senegal, 2011. PLoSOne, v. 9, n. 10, e 109442. 2014.
  7. DICK, G.W.; KITCHEN, S.K.; HADDOW, A.J. Zika virus (I). Isolations and serological specificity. Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene, v. 46, n. 5, p. 506-24. 1952.
  8. DUFFY, M.R. et al. Zika virus outbreak on Yap Island, Federated States of Micronesia. The New England Journal of Medicine, v. 360, n. 24, p. 2536-43. 2009.
  9. FAUCI, A.S; MORENS, D.M. Zika virus in the Americas — yet another arbovirus threat. New England Journal of Medicine, v. 374, n. 7, p. 601-4. 2016.
  10. FAYE, O. et al. Molecular evolution of Zika virus during its emergence in the 20(th) century. PLoSOne, Neglected Tropical Disease, v. 8, n. 1, p. e2636. 2014.
  11. HADDOW, A.D. et al. Genetic characterization of Zika virus strains: geographic expansion of the Asian lineage. PLoSOne, Neglected Tropical Disease, v. 6, n. 2, e1477. 2012.
  12. LEDERMANN, J.P. et al. Aedes hensilli as a potential vector of Chikungunya and Zika Viruses. PLoSOne, Neglected Tropical Disease, v. 8, n. 10, e3188. 2014.
  13. LONDRES, F. Agrotóxicos no Brasil: um guia para ação em defesa da vida, 1ª ed. Rio de Janeiro, AS-PTA, 190 p. 2011. ISBN: 97 8-85-87116-15-4.

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Autor(es)

  • Jislaine de Fátima Guilhermino
    Editora da Área de Política e Gestão da Inovação, Fundação Oswaldo Cruz
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Como Citar

1.
A Ciência no uso de produtos naturais para controle do vetor do vírus Zika (ZIKV). Rev Fitos [Internet]. 20º de maio de 2016 [citado 26º de abril de 2024];10(1):8-12. Disponível em: https://revistafitos.far.fiocruz.br/index.php/revista-fitos/article/view/345

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