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Mon, 20 Mar 2023 in Revista Fitos
Conhecimento sobre fitoterapia e fatores associados pela população de Pernambuco, Brasil
Resumo
O objetivo desse estudo foi identificar o conhecimento sobre fitoterapia na população pernambucana, bem como os fatores associados. Realizou-se estudo transversal de abordagem quantitativa teve sua coleta de dados remota a partir de um questionário online; e buscou extrair informações sobre o perfil dos participantes, utilização e conhecimento sobre fitoterapia. Os dados foram submetidos a testes estatísticos para verificar associações significantes (p=0.05). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco. Dentre 372 indivíduos, 80,6% relataram conhecer o tema. Os fatores associados ao conhecimento sobre a fitoterapia foram idade superior a 25 anos, residência na capital pernambucana, ensino superior completo, remuneração maior que três salários mínimos, raça/cor branca, residência com até, no máximo, duas pessoas e uso da fitoterapia (p < 0.05). Há desigualdade no acesso à informação, tornando necessárias estratégias de educação em saúde para populações mais vulneráveis e regiões menos desenvolvidas.
Main Text
Introdução
A fitoterapia tem sido utilizada pela humanidade desde a antiguidade como alternativa terapêutica para diversas doenças[1]. Com o advento tecnológico, a prática se expandiu para além da utilização das plantas medicinais em forma natural[2]. O uso desses produtos promove o bem-estar e aumento da qualidade de vida, devido à sua credibilidade terapêutica e baixo custo[3]. Contudo, danos à saúde por uso inadequado são comuns e podem ser decorrentes da falta de conhecimento do usuário[4].
No Brasil, a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos tem incentivado o Sistema Único de Saúde (SUS) a implementar a fitoterapia em sua rede assistencial. Aliada à grande biodiversidade que o país dispõe, há o conhecimento tradicional dos habitantes, parte essencial para o desenvolvimento de pesquisas, tecnologias e terapêuticas na área[5]. Todavia, ainda é incerto se a população de certas regiões tem conhecimento sobre a definição, benefícios, riscos e aplicações das plantas medicinais e dos medicamentos fitoterápicos[6,7].
Há uma concentração dos serviços e incentivos à fitoterapia nas regiões Sul e Sudeste, o que não é observado nas outras regiões[8]. Assim, negligencia-se a fitoterapia como ferramenta para assistência em saúde das outras localidades, que consequentemente leva a população a ter pouco contato com a prática. A região Nordeste é rica em biodiversidade, com potencial de grande disponibilidade de plantas medicinais e para o desenvolvimento de medicamentos a partir de extratos vegetais[9].
As estratégias de informação da população sobre o tema precisam ser recorrentes para esclarecer crenças e concepções equivocadas acerca dessa prática. Também pode-se estimular o interesse pelo plantio dessas fontes, visando o desenvolvimento socioeconômico e sustentável da região. Assim, é necessária a investigação prévia sobre o conhecimento da população para a implementação dessas ações[10].
Portanto, o objetivo desse trabalho foi identificar o conhecimento sobre fitoterapia na população pernambucana, bem como verificar os fatores que influenciam em conhecer ou não o tema.
Metodologia
Trata-se de um estudo transversal, analítico e de abordagem quantitativa [11]. O presente trabalho é um recorte de uma pesquisa desenvolvida nacionalmente e intitulada “Uso da fitoterapia pela população brasileira e fatores associados”; aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco (Número do parecer: 4.880.872). O artigo foi elaborado com base no manual Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE)[12].
A população de estudo foram os habitantes do Estado de Pernambuco. A coleta dos dados se deu durante o mês de agosto de 2021, de forma remota, a partir do recrutamento online dos participantes. Uma estratégia de divulgação da pesquisa via redes sociais digitais (Instagram®, Facebook® e Twitter®) e e-mail foi conduzida pelos pesquisadores para alcançar o maior número possível de indivíduos. Essa estratégia já é amplamente utilizada nesse tipo de pesquisa[13].
Aptos à participação estavam: os maiores de 18 anos de idade; residentes em território brasileiro há pelo menos 12 meses; e com acesso regular à internet. Foram excluídos os indivíduos não naturais do Brasil ou não-naturalizados brasileiros. Para o presente manuscrito foi utilizado o recorte da população pernambucana.
A coleta de dados foi realizada através de um questionário online disponibilizado aos indivíduos por meio da estratégia de divulgação da pesquisa. O questionário continha, em sua primeira seção, uma breve explicação sobre os objetivos do estudo e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para assinatura do participante. Após assinatura do termo, o indivíduo era conduzido às próximas seções para coleta de outras informações como as características sociodemográficas, condições e acesso aos serviços de saúde, e acesso à fitoterapia. Todos os dados foram autorrelatados pelos indivíduos.
As variáveis independentes foram estratificadas em três níveis para a determinação do conhecimento sobre fitoterapia. A divisão de cada nível, a relação de cada variável, e suas respectivas opções de resposta, está apresentada abaixo:
  • I. Nível I – fatores sociais, demográficos e econômicos:
    • a) Gênero (mulher; homem; não-binário);
    • b) Idade (idade menor ou igual a 25 anos; idade superior a 25 anos);
    • c) Localização do município (capital; não-capital);
    • d) Escolaridade (com ensino superior completo; sem ensino superior completo);
    • e) Renda (em renda ou com até 1 salário mínimo; entre e 1 e 3 salários mínimos; mais de 3 salários mínimos);
    • f) Estado civil (estar ou já ter tido uma relação civil; solteiro);
    • g) Ocupação (empregado formalmente; sem emprego formal); h) Religião (católica; não-católica);
    • i) Residência com pessoas (mais que 3 pessoas; nenhuma ou até 2 pessoas); j) Raça/Cor (branca; não-branca);
  • a) Gênero (mulher; homem; não-binário);
  • b) Idade (idade menor ou igual a 25 anos; idade superior a 25 anos);
  • c) Localização do município (capital; não-capital);
  • d) Escolaridade (com ensino superior completo; sem ensino superior completo);
  • e) Renda (em renda ou com até 1 salário mínimo; entre e 1 e 3 salários mínimos; mais de 3 salários mínimos);
  • f) Estado civil (estar ou já ter tido uma relação civil; solteiro);
  • g) Ocupação (empregado formalmente; sem emprego formal); h) Religião (católica; não-católica);
  • i) Residência com pessoas (mais que 3 pessoas; nenhuma ou até 2 pessoas); j) Raça/Cor (branca; não-branca);
  • II. Nível II – Condições de saúde e acesso aos serviços:
    • a) Serviços de saúde utilizados (ou público ou privado; ambos);
    • b) Autoavaliação do estado de saúde (negativa; positiva);
    • c) Problemas de saúde (presentes; ausentes);
  • a) Serviços de saúde utilizados (ou público ou privado; ambos);
  • b) Autoavaliação do estado de saúde (negativa; positiva);
  • c) Problemas de saúde (presentes; ausentes);
  • III. Nível III – Acesso à fitoterapia:
    • a) Utilização da fitoterapia (sim; não).
  • a) Utilização da fitoterapia (sim; não).
A variável dependente foi estabelecida em conhecer ou não a fitoterapia. Esta foi definida como qualquer conhecimento prévio à pesquisa sobre a definição, vantagens, aplicações e cautelas com o uso da fitoterapia pelo indivíduo. As opções de resposta para essa variável foram “presente” ou “ausente”. Aqueles que não conheciam a fitoterapia foram instruídos com um material educativo. Os malefícios da automedicação por fitoterápicos também foram repassados aos participantes. Todo o modelo conceitual utilizado para a definição das variáveis é apresentado na FIGURA 1.
O questionário foi disponibilizado por um link para os interessados terem acesso e ser elegível a participação no estudo. A seleção para participação neste estudo foi voluntária. Uma amostra foi calculada previamente a divulgação do instrumento de coleta de dados. O cálculo para tal amostra utilizou como base a população do Estado de Pernambuco, estimada em 9.674.793 pessoas[14]. Através do programa OpenEpi, utilizando uma frequência antecipada de 50% para o fenômeno investigado, limite de confiança de 5% e efeito de desenho de 1.0, uma amostra foi pré-estabelecida em 385 indivíduos.
Os dados foram processados por meio do software estatístico IBM® SPSS® (Statistical Packages for the Social Sciences) 20.0. O teste de qui-quadrado de Pearson foi aplicado para verificar associações estatisticamente significantes entre as variáveis categóricas. Para isto, foram adotados como significantes p < 0.05 e residuais ajustados fora da faixa 1,29 a -1,29. Para verificar em que medida o conjunto de variáveis preditoras estratificadas em níveis estiveram associadas ao conhecimento sobre fitoterapia, foi utilizada a regressão logística binária adotando p < 0.05 como nível de significância. Para esta análise foram utilizados o odds ratio (OR) e seus respectivos intervalos de confiança (IC) em 95%.
Resultados e Discussão
Ao final do período de coleta dos dados, foram obtidas 372 respostas de indivíduos elegíveis ao estudo. Isto representa uma perda amostral de 3,4% (n=13) em relação ao cálculo realizado previamente. A amostra foi composta, predominantemente, por mulheres (n = 253; 68,0%), residentes na capital pernambucana (n = 289; 77,7%), e com ensino superior completo (n = 188; 50,5%). Além disso, 36,0% (n = 134) possuíam renda entre 1 e 3 salários mínimos e 34,7% (n = 129) não tinham renda ou esta equivalia a até 1 salário mínimo. Ainda, a maioria era composta por não brancos (n = 202; 54,3%), solteiros (n = 268; 72,0%), sem emprego formal (n = 218; 58,6%), católicos (n = 197; 53,0%), usuários de ambos os setores de assistência à saúde (n = 221; 59,4%), residentes só ou com até 2 pessoas (n = 193; 51,9%), com autoavaliação positiva de saúde (n = 273; 73,4%), sem problemas de saúde (n = 245; 65,9%) e usuários da fitoterapia no dia a dia (n = 267; 71,8%). A média de idade dos indivíduos foi de 29,12 anos (±10,465), variando entre 18 e 75 anos.
Em relação ao conhecimento sobre fitoterapia, 80,6% (n = 300) dos indivíduos relataram conhecer o tema. O teste de qui-quadrado de Pearson mostrou que os fatores associados a um maior conhecimento sobre a fitoterapia foram os indivíduos com idade superior a 25 anos (p = 0.001), residentes na capital pernambucana (p = 0.004), com ensino superior completo (p < 0.001), com remuneração maior que 3 salários mínimos (p = 0.017), brancos (p = 0.004), que residem só ou com até no máximo 2 pessoas (p = 0.028) e que utilizam a fitoterapia (p = 0.011) (TABELA 1).
A regressão logística binária mostrou que os fatores preditores associados a ausência de conhecimento sobre fitoterapia foram não residir na capital pernambucana (OR = 2,926 / IC95% = 1,181-7,245), não ter ensino superior completo (OR = 5,212 / IC95% = 2,118-12,825), não ser branco (OR = 2,193 / IC95% = 1,193-4,031) e não utilizar a fitoterapia (OR = 2,055 / IC95% = 1,130-3,737). Não ter emprego formal teve associação a presença de conhecimento sobre fitoterapia (OR = 0,428 / 0,202-0,904) (TABELA 2).
A fitoterapia tem tomado cada vez mais relevância para os serviços de saúde diante do menor custo e maior facilidade de acesso aos seus produtos. Devido aos benefícios e riscos, é necessário que a população tenha contato com os fitoterápicos de modo a conscientizá-la sobre a utilização segura. Dessa forma, o estudo se propôs a identificar o conhecimento sobre o tema dentre os habitantes de Pernambuco e os fatores que o influenciam. Assim, os achados apontaram que há uma grande parcela de indivíduos que conhecem a fitoterapia e que esse saber é maior dentre os mais velhos, residentes no maior centro urbano do Estado, com melhores condições socioeconômicas e que já eram adeptos da prática antes da pesquisa.
Os saberes e práticas relacionadas ao uso das plantas medicinais no combate às doenças são provenientes de hábitos e costumes dos povos mais antigos, principalmente aqueles com crenças fortemente ligadas à natureza, como indígenas e africanos[15]. A alta prevalência identificada de conhecimento sobre essa praxe mostra que, apesar do passar do tempo, há uma forte influência cultural no cuidado em saúde na região. A associação encontrada entre o conhecer a prática e idade mais avançada também torna evidente a ascendência das gerações passadas na população. Assim, tal prática é sinal de reprodução de saberes ao longo de gerações e da identidade individual e coletiva de um grupo[16 17 18].
Autores relataram previamente uma ampla utilização da fitoterapia na região nordeste[3,19]. Neste estudo, o uso esteve associado a um maior conhecimento, com até duas vezes mais chances do indivíduo que não é usuário dos produtos fitoterápicos não conhecer a prática. A correlação entre conhecimento e uso já é estabelecido na literatura[20]. Esse achado torna evidente a importância do resgaste do saber popular sobre as plantas medicinais e sua utilização, pois a partir dessa sondagem pode-se conduzir estudos farmacológicos e clínicos, a fim de comprovar a eficácia dos produtos que estão mais acessíveis a população[21].
Ainda há problemática do conhecimento sobre as indicações adequadas e comprovadas cientificamente dos produtos fitoterápicos. Por vezes, os usuários podem ser adeptos da prática, todavia, sem saber o seu real benefício ou até mesmo os riscos[22]. Futuras investigações que busquem verificar o conhecimento acerca de cada indicação desses produtos pelos usuários da fitoterapia são necessárias.
O conhecimento sobre a fitoterapia na população estudada está associado com as condições socioeconômicas dos indivíduos mais favorecidos em escolaridade. Estudos prévios têm identificado cenários distintos no que se refere a esse fenômeno. Fatores como idade[23], escolaridade[24] e forma de aquisição do conhecimento[25] influenciam no conhecimento da prática. O acesso à informação/educação em saúde ainda é restrito à população brasileira[26]. Os achados encontrados apontam que esse acesso limitado reverbera na população pernambucana no que se refere ao conhecimento sobre fitoterapia.
Residir na Capital pernambucana esteve associado a um maior conhecimento sobre a fitoterapia, tendo o indivíduo que mora em qualquer outro município, quase três vezes mais chances de não conhecer a prática. A disponibilidade da prática tende a ser maior nos grandes centros urbanos com melhores condições socioeconômicas, como Sul e Sudeste, consequentemente gerando um maior contato de sua população com a assistência fitoterápica[8,27]. Tal fato mostra que os locais menos desenvolvidos do Estado requerem um olhar mais atencioso para o incentivo da educação em saúde sobre a fitoterapia. Essa mudança deve envolver tanto os gestores quanto os profissionais da assistência para a conscientização dos usuários[28].
Dentre as limitações do estudo cita-se o reduzido número amostral, ocasionado pela baixa adesão da população com a pesquisa. Também não houve como garantir representatividade da amostra, visto que o instrumento foi disponibilizado online, sem interação do pesquisador com o participante, o que impede o controle de quem responde ao instrumento. A partir dessa abordagem sobre o tema na região pôde-se oferecer uma visão mais ampla sobre o conhecimento da população sobre a fitoterapia. Os resultados mostrados aqui nortearão as políticas de saúde a nível estadual e municipal, para a ampliação do uso da prática no SUS.
Conclusão
Os achados mostraram que a fitoterapia é conhecida dentre 80,6% dos habitantes do Estado de Pernambuco. Todavia, há uma desigualdade no acesso à informação, visto que o conhecimento é significativamente maior dentre aqueles com melhores condições socioeconômicas e residentes na capital. Estratégias de educação em saúde para as populações mais vulneráveis e mais afastadas dos grandes centros urbanos contribuirão para a democratização da fitoterapia, trazendo benefícios a todos.
Resumo
Main Text
Introdução
Metodologia
Resultados e Discussão
Conclusão