Antonio C. Siani

Antonio C. Siani
OrcID

Resumo

Não entendi como fácil elaborar um texto sobre o professor Gilbert para atender à justa homenagem que lhe presta a Revista Fitos. O primeiro esforço é tentar me manter imune à sedução inconsciente em produzir baboseira sobre mim mesmo, em textos escritos na primeira pessoa. Além disso, penso ser necessário evitar circunscrever o cerne do conteúdo com lianas de clichês acadêmicos. Minha convivência com o professor Gilbert teve raiz no início dos anos 1980 em Campinas, estendidos na primeira metade da década de 1990, em Manaus. Essa relação acadêmica floresceu para um convívio diário, quando da minha vinda para a Fiocruz no Rio de Janeiro. Emblemas dessa convivência seriam os almoços que fizemos juntos, por anos a fio no refeitório da ENSP, as mútuas visitas presenciais (nas quais também conheci sua inteligente esposa), as muitas viagens que empreendemos juntos por terra e ar, e mesmo a divisão do mesmo aposento nos congressos e reuniões que frequentamos.

Como a árvore que espalha suas sementes por desígnios aparentemente aleatórios da natureza, a marca mais intensa do professor Gilbert foi sua generosidade, sempre pontuada por atitudes magnânimas e de humildade frente a situações difíceis e intensamente potentes para lhe plantar desafetos. Sempre com a preocupação em auxiliar outrem na busca de soluções, os pareceres e opiniões do professor Gilbert nem sempre eram compreendidos de imediato. Todavia, após um período de latência, quase invariavelmente viriam a ser provados como o melhor aconselhamento, não sem antes enveredarem por um cipoal intelectual e ali desperdiçarem tempo precioso, antes de retornarem à simplicidade da solução sugerida por ele.

Sutil como as avencas, o legado do professor Gilbert também é firme e duradouro dentro das pessoas que com ele conviveram ou que o admiraram. Apesar de ter influenciado na vida (isso mesmo!) de muita gente, ele não consolidou uma escola acadêmica à maneira convencional, a exemplo de outros luminares que dele foram contemporâneos, e que contribuíram com a implantação dos estudos da Química de Produtos Naturais no Brasil. Também ouvi de um saudoso colega, que o professor Gilbert havia sido o “senhor dos alcaloides” no Brasil. Isso numa época em que, corroborado orgulhosamente pelo próprio, a identificação de estruturas moleculares se baseava apenas na técnica da espectroscopia no ultravioleta, apoiada por modificações químicas e análises elementares, quase sempre realizadas com quantidades ínfimas de substâncias purificadas.

Desde nossos primeiros contatos, ficou para mim evidente a paixão do professor Gilbert pelas plantas medicinais. Por exigir uma postura multidisciplinar e compreensão das fronteiras científicas, é provável que o contexto da fitoterapia e dos fitoterápicos tenha contribuído com sua atuação acadêmica algo heterodoxa. A passiflora do professor Gilbert sempre foi defender que as metas da pesquisa deveriam ser orientadas para resultar em produtos concretos para a melhoria da saúde da população. Ele sempre foi um incentivador da inserção das plantas medicinais no SUS, colaborando com as discussões em nível nacional que resultaram na gradual evolução da regulação para as etapas (mais básicas) das farmácias vivas, chás medicinais e drogas vegetais.

Penso que discorrer sobre a vitória-régia que o professor Gilbert representa para os Produtos Naturais e plantas medicinais no Brasil exigiria perscrutar exsudatos pouco visíveis de sua atuação, tão ou mais importantes que o revelado pela produção acadêmica. Por fim, menciono que o professor Gilbert esteve presente em vários momentos de decisão na minha vida acadêmica, desde a participação na banca de minha defesa de doutorado, as discussões compartilhadas sobre o projeto que coordenei na CODETEC, a colaboração com vários projetos em que trabalhei no Amazonas, e a indicação e apoio de meu nome como bolsista (digo, a porta de entrada) em Farmanguinhos. Assim, deixo nesse depoimento o meu profundo agradecimento ao professor Gilbert, cuja convivência me concedeu o raro prazer de caminhar sobre um solo forrado de folhas outonais.


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Como Citar

1.
Antonio C. Siani. Rev Fitos [Internet]. 7º de março de 2024 [citado 21º de maio de 2024];18(Suppl. 4):24-5. Disponível em: https://revistafitos.far.fiocruz.br/index.php/revista-fitos/article/view/1693
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